O que segue abaixo é o capítulo introdutório do livro Mohammed and Charlemagne Revisited: The History of a Controversy (Maomé e Carlos Magno Revisitados: a História de uma Controvérsia), que aprofunda a discussão sobre a tese proposta pelo historiador e arqueólogo belga Henry Pirenne, de que foram as invasões islâmicas do século VII que sepultaram a civilização clássica Greco-Romana, dando início aquilo que alguns chamam de “idade das trevas.” O autor ressalta que, mesmo com o fim do Império Romano do Ocidente, sediado em Roma, a civilização clássica continuava a florecer através do Império Romano do Oriente, sediado em Constantinopla, e que se extendia desde Grécia e a Anatólia (atual Turquia) até o Norte da África, e incluia o Egito (celeiro do império), e a região do Levante (atuais Líbano, Síria, Israel e Jordânia), que era um centro de conhecimento e cultura. Mesmo no ocidente, a civilização clássica era preservada através dos “bárbaros romanizados” (notadamente os francos, na região da França, e os visigodos, na Península Ibérica), que nunca desejaram destruí-la, mas sim absorve-la. O Mar Mediterrâneo era um condutor do comércio entre estas regiões, que as mantinham prósperas. As invasões islâmicas acabaram com tudo isso, trouxeram guerra contínua (jihad) e tornaram o Mar Mediterrâneo em um condutor da pirataria islâmica.
MAOMÉ E CARLOS MAGNO REVISITADOS: UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DE UMA CONTROVÉRSIA
por Emmet Scott
New England Review Press, 2012
Mohammed and Charlemagne Revisited: The History of a Controversy (Maomé e Carlos Magno Revisitados: a História de uma Controvérsia) é publicado pela New England Review Press. Pode ser encomendado através do Amazon. Este é um excelente livro!
INTRODUÇÃO
Este livro não é uma história no sentido normal, mas, como explica o subtítulo, a história de uma controvérsia. A controvérsia em questão tem ecoado por muitos anos ao redor da pergunta: o que teria terminado com a civilização romana e trazido a Idade das Trevas?
Teorias acerca da queda do Império Romano como instituição política obviamente têm proliferado por séculos. Porém este ensaio não se atém tanto a este evento como à queda da civilização associada ao Império Romano. Aquela civilização – mais apropriadamente chamada ‘civilização clássica’ – sobreviveu à queda do Império e não tinha sido absolutamente uma criação dos romanos, mas sim dos gregos, a qual os romanos assimilaram intensamente. Além disto, estes últimos a disseminaram amplamente pelo Mediterrâneo ocidental e Europa setentrional através de suas conquistas. Esta civilização greco-romana pode ser descrita como marcantemente urbana, alfabetizada e culta, bem como caracterizada pelo que poderia ser chamado de ‘espírito racionalista’. Foi uma sociedade que, pelo menos em tese, respeitava a Razão e a busca do conhecimento e nem tampouco era propensa a extremismo ou fanatismo religiosos. Sabemos que esta civilização não terminou com a queda do Império Romano. Ela sobreviveu em Constantinopla e no Império Romano do Leste (Oriente), bem como no do Oeste (Ocidente), uma região administrada a partir de 476 DC por reis e príncipes ‘bárbaros’. Os governantes dos francos, visigodos e ostrogodos – e mesmo os dos vândalos – buscaram intensamente preservar a cultura e as instituições que encontraram, após terem cruzado as fronteiras imperiais romanas. Não obstante, a despeito de tudo isto, a civilização greco-romana efetivamente morreu, tanto no Oeste como no Leste. Em ambas as regiões ela foi eventualmente substituída por uma sociedade e civilização que nós hoje chamamos ‘medieval’, uma sociedade cujas características mais proeminentes eram de muitas formas exatamente o oposto da sociedade clássica. Uma sociedade marcantemente rural, geralmente analfabeta, que tinha uma economia predominantemente de escambo, e que tendia a ser voltada a si mesma mais do que aberta e sincrética (o panorama que descrevemos é uma visão um tanto arquetípica da civilização medieval, porém contém importantes elementos da verdade).
É o propósito deste ensaio examinar as causas disto ou, mais exatamente, examinar a tese altamente controversa acerca do tema, que surgiu nos primeiros anos do século 20. Esta tese foi proposta por Henri Pirenne, um historiador belga cuja especialidade foi o período medieval precoce. Pirenne defendia que os verdadeiros destruidores da civilização clássica foram os muçulmanos. Foram as invasões árabes, disse ele, que romperam a unidade do mundo mediterrâneo e transformaram o Mar Mediterrâneo – anteriormente uma das vias comerciais mais importantes do mundo – em um campo de batalha. Foi somente após o surgimento do Islã, afirmou Pirenne, que as cidades do Oeste, dependentes do comércio mediterrâneo para sua sobrevivência, começaram a morrer. Junto com as mesmas morreu a infraestrutura inteira da cultura clássica. Pirenne descobriu que da metade do século VII em diante uma profusão de produtos de luxo, previamente comuns na Gália, Itália e Espanha, desapareceu. Da mesma forma, foram-se com eles a prosperidade da qual a cultura clássica dependia. Cidades encolheram e a sociedade tornou-se mais rural.
Essencialmente, o que Pirenne dizia era que o Islã causou a Idade das Trevas na Europa.
Esta era, mesmo nos anos de 1920, quando esta tese foi publicada pela primeira vez, uma ideia extremamente controversa, e conflitava-se intensamente com a vertente da opinião contemporânea. Isto devido ao fato de a tendência ao longo do século anterior ter sido cada vez mais enxergar o Islã como um precursor da civilização da Europa medieval; como o grande preservador do conhecimento e aprendizado clássicos; como uma influência iluminada e tolerante que chegou à Europa no século VII e que a partir de então começou a elevar o continente para fora das trevas nas quais ele afundara. Este era o padrão de pensamento dentre talvez a maioria dos acadêmicos por quase meio século, antes da aparição da tese de Pirenne. Uma visão da História profundamente enraizada no pensamento europeu contemporâneo. E então aparecera Pirenne para alegar justamente o oposto!
Como pode ser imaginado, uma contra-tese tão notável gerou um debate acalorado. Um debate que perdura até os dias de hoje. E nos dias de hoje, ambos os lados permanecem tão divididos como o eram à época de Pirenne, que morreu em 1935. Há aqueles que, com graus variáveis de passionalidade, mantêm que o Islã essencialmente salvou o remanescente da cultura e aprendizado clássicos, o qual eles transmitiram a uma Europa entrevada. E ainda há aqueles que (um grupo bem menor), como Pirenne, mantêm que o Islã foi o destruidor desta mesma cultura e aprendizado. E que, se a Europa foi entrevada após o século VII, ela o foi precisamente devido à ação dos muçulmanos. Quão estranha esta situação! Como pode um tema gerar perspectivas tão radicalmente diferentes? Nós estamos, como diria, mais uma vez no que foi conhecido durante a Idade Média como o ‘debate do mundo’. Naqueles dias, durante as Cruzadas, o ‘debate’ foi promovido pela força das armas. A batalha acadêmica (e em certos aspectos também ideológica) sendo hoje travada é promovida por jornais, livros, publicações acadêmicas, televisão, rádio e internet. Não podemos descartar também outro ‘palco’ de debates sendo frequentado, precisamente como o foi no tempo das Cruzadas: através da força das armas.
Por que afinal este debate ainda vigora entre nós? E por que ele estimula respostas tão radicalmente opostas? O que há com o Islã e sua História que deflagra uma controvérsia tão intensa? A resposta a estas perguntas, espero, será apresentada nas páginas que se seguem. E se não for uma resposta aceitável por todos, então pelo menos a evidência será apresentada de uma forma acessível a todos e que permitirá ao leitor ou leitora decidir por si.
* * *
Assumindo que esta é a história de um debate, é apropriado primeiramente considerar como ela se desenvolveu ao longo dos séculos. Isto porque esta história não começa com Pirenne.
Até o século XVIII estudiosos geralmente assumiam que a civilização clássica terminou sob a forma de desintegração do Império Romano do Oeste (Ocidente), em 476 DC. Entretanto, à medida em que o século XVIII avançou e o estudo da História tornou-se uma disciplina acadêmica em si mesma mais do que uma simples compilação de crônicas, europeus eruditos tornaram-se cônscios do fato de que as tribos ‘bárbaras’ que conquistaram o Império Romano do Oeste no século V, nunca tencionaram destruir a sociedade ou a cultura romanas. E, à medida em que o nosso conhecimento da Antiguidade melhorava, a pergunta óbvia tornou-se progressivamente mais urgente: o que então trouxe a civilização clássica ao seu fim? Se, afinal, não foram os ‘bárbaros’ os responsáveis, o que ou quem então o foi, e quando?
Concomitantemente à pequisa acerca da História romana, os eruditos do Iluminismo iniciaram um exame detalhado da Europa medieval em seu primórdio. À medida em que o faziam, eles começaram a notar o quão grande era a dívida da Europa medieval ao mundo islâmico. Eles leram cartas, documentos oficiais e crônicas, que pareciam indicar a Espanha islâmica e o Oriente Médio islâmico como a fonte de todo o real conhecimento e aprendizado à época. Eles leram relatos de como os estudiosos europeus frequentavam as fronteiras do mundo islâmico, frequentemente disfarçados, para aprender seus segredos. Eles perceberam como os pensadores europeus da época, de Abelardo a Roger Bacon, baseavam seus debates sobre a língua dos eruditos islâmicos tais como Averróis e Avicena. Eles notaram que muito das terminologias científica e erudita encontradas nas línguas da Europa, eram de origem árabe. Nós utilizávamos o sistema numeral ‘arábico’, que nos deu o conceito do ‘zero’ – uma corruptela do árabe zirr, ao mesmo tempo em que nossa ‘álgebra’ era diretamente tomada do árabe al-jabr. Eles descobriram que de fato numerosos termos científicos e técnicos tais como álcool, álcali, etc, e muitos outros, eram de origem árabe.
Assim, nos primórdios do século XIX a opinião acadêmica sobre o Islã começou a mudar dramaticamente. É verdade, os piratas muçulmanos eram um problema no Mediterrâneo, e as sociedades muçulmanas – mais notavelmente o Império Otomano – eram um tanto emprobrecidas e frequentemente brutais. Porém estes aspectos negativos eram cada vez mais vistos como um acidente da História, não como algo logicamente derivado do Islã. Afinal, se a escravidão era então um problema no mundo muçulmano, será que também não o foi no mundo cristão? E, se muçulmanos mataram apóstatas e hereges, será que os cristãos não teriam feito o mesmo durante o século XVII?
A tendência para uma visão negativa da civilização européia acompanhada de uma visão positiva da civilização islâmica continuou pelo século XIX. De fato, o ‘falar bem’ do Islã andava um tanto quanto emparelhalado com o ‘falar mal’ do Cristianismo. Este era particularmente o caso entre uma certa classe de intelectuais politizados que, à medida em que o século XIX progredia, adotou uma abordagem crescentemente hostil a todas as coisas europeias. E esta tendência somente acelerou com a Primeira Grande Guerra. Seguindo os eventos cataclísmicos daqueles anos, cada vez menos a classe intelectual europeia e americana apoiava a visão de que a civilização europeia era em qualquer forma superior a qualquer outra. Ao contrário, uma era de desilusão se iniciou. À medida em que esta visão ganhava força, também o criticismo à Europa medieval e à Cristandade foi se tornando mais virulento. Cada vez mais o mundo medieval era visto como uma ‘Idade das Trevas’ e que qualquer conhecimento que possuímos decerto não se originou daí.
Escritores cristãos à época – ainda havia muitos – tentaram, é claro, se contrapor a este movimento, porém eles estavam em menor número e um certo sentido em desproporção de armas. A maré do pensamento fluía decididamente contra eles.
Mesmo assim, o estudo das fases finais da Antiguidade e período inicial do mundo medieval na Europa continuou. A Arqueologia, bem como a descoberta e tradução para línguas modernas de mais e mais textos correspondentes ao período do século V ao século X começaram a transformar nosso entendimento do período. Como vimos, sabe-se, desde o tempo de Gibbon pelo menos, que os ‘bárbaros’ não tencionaram destruir a civilização romana. A evidência arqueológica demonstrou que eles não o quiseram. Ao contrário, tornou-se então cada vez mais claro que a civilização greco-romana clássica sobreviveu às invasões bárbaras do século V e que houve até mesmo, no século VI pelo menos, algo parecido com um renascimento daquela civilização, ao menos em lugares como Gália e Espanha. Mesmo assim, o mundo de Roma e sua civilização terminaram, e este evento, tornou-se cada vez mais claro, ocorreu em algum tempo do século VII. Após esta época, o mundo ocidental tornou-se distintamente medieval em todos os aspectos. Mas por que, perguntou-se, isto ocorreu? Se os governantes bárbaros do Oeste puderam gerenciar e cultivar sociedades urbanas prósperas e marcantemente urbanas por dois séculos, especialmente em lugares tais como a Norte da África e Espanha, por que então eles ‘perderam o rumo’ no século VII?
Nos primeiros anos do século XX este tornou-se um problema crescente e foi abordado por dois notáveis historiadores da época: Alfons Dopsch e Henri Pirenne. Ambos devotaram considerável esforço direcionado à pesquisa das sociedades italiana e gaulesa durante os séculos V e VI, tendo tornado-se proeminentes em sua rejeição da noção de uma Idade das Trevas criada por bárbaros durante aquele período. Ainda assim, Dopsch veio a crer que ele poderia detectar um ‘declínio’ geral da cultura romana entre os anos 400 e 600 DC, e ele eventualmente investiu na ideia de que os povos germânicos que governavam o Oeste provaram ao longo do tempo serem incapazes de administrar uma civilização urbana eficiente. Como o tempo, pensou Dopsch, a natureza ‘bárbara’ e incivilizada destes povos prevaleceu e, não obstante seus esforços iniciais de salvar as instituições e cultura romanas, ao final eles gerenciaram o colapso das mesmas.
Henri Pirenne estudou a mesma época e usou mais ou menos os mesmos materiais de Dopsch. As conclusões às quais ele chegou, entretanto, eram muito diferentes. Como Dopsch, ele notou que não houve uma ‘Idade das Trevas’ nos dois primeiros séculos após o saque de Roma por Alarico (410 DC), e que as instituições e cultura romanas sobreviveram. Ele também viu que o fim desta cultura poderia ser postergado para a primeira metade do século VII. Diferentemente de Dopsch, entretanto, ele não encontrou evidência de um declínio gradual. Para Pirenne, o término da civilização clássica tardia pareceu ter ocorrido de forma súbita. O que, pensou ele, poderia ter causado isto?
No início dos anos 1920 ele chegou a uma conclusão nova e controversa: a sociedade romana e a cultura que a ela associamos foram destruídas pelas conquistas árabes. Piratas e saqueadores sarracenos, defendeu ele, bloquearam o Mediterrâneo de 640 DC em diante, acabando com todo o comércio entre o Levante e a Europa Ocidental. As cidades da Itália, Gália e Espanha, as quais dependiam deste comércio para sua prosperidade, começaram a morrer. E os reis germânicos que controlavam estas regiões, privados da riqueza tributável por este mesmo comércio, perderam muito de sua autoridade e poder. Homens fortes locais asseguraram o controle sobre as províncias. Estes foram os barões medievais. A Idade Média havia começado.
O que Pirenne agora afirmava antagonizava completamente o pensamento acadêmico então corrente acerca do Islã, que enxergava a fé árabe muçulmana como civilizadora ao invés de uma força destrutiva. O debate que ele acendeu então jamais morreu totalmente ou se resolveu, ao contrário, assumiu uma ressonância nova e urgente no mundo moderno. Como iremos ver, a tese de Pirenne recebeu, por um tempo, uma aceitação apenas parcial em algumas áreas do universo acadêmico, mesmo apesar de ele ser enxergado à época como alguém contra o qual se deveria argumentar. Na década de 1980, entretanto, um consenso geral ganhou corpo, pelo menos no mundo anglófono, de que Pirenne teria sido efetivamente derrubado. E, desde então, mais e mais livros e estudos acadêmicos acerca daquele período o ignoraram bem como a sua teoria.
O consenso anti-Pirenne foi amplamente galvanizado, como veremos, por trabalho arqueológico promovido na Itália durante as décadas de 1960 e 1970. Descobriu-se que, enquanto que a cultura clássica sobrevivera durante os séculos V e VI, houve não obstante um marcante declínio em todos os aspectos da vida civilizada, do século V em diante. As escavações naquele país formaram a base do argumento apresentado por Richard Hodges e David Whitehouse, os críticos mais influentes de Pirenne que, em 1982 publicaram o que foi anunciado como a refutação definitiva a Pirenne. O livro Mohammed, Charlemagne and the Origins of Europe [N.T.: Maomé, Carlos Magno e as Origens da Europa] demonstrou ser um divisor de águas no debate. Usando principalmente o material italiano, mas também alguns dados do norte da África, Hodges e Whitehouse argumentaram que a civilização greco-romana encontrava-se em declínio terminal nos anos antecedentes a 600 DC. Tão decrépitas encontravam-se Itália, Espanha e Norte da África na segunda metade do século VI, declararam eles, que a cultura clássica não precisou ser assassinada pelos árabes. Ela estava efetivamente já morta quando estes chegaram.
Porém haviam falhas sérias no pensamento de Hodges e Whitehouse, como veremos. Por um lado, os dados que ambos apresentaram eram extremamente limitados no seu escopo e, essencialmente cobriam, primordialmente, a Itália central. Alegações de que a economia e a vida cívica do Norte da África também colapsaram antes de 600 DC não são fundamentadas. Nos capítulos 6, 7, 8 e 9 nós fazemos o que Hodges e Whitehouse falharam em fazer, isto é, observar além da Itália, a Gália, Europa central, Grã-Bretanha e Espanha. Lá nós podemos encontrar culturas clássicas já avançadas, prósperas e cheias de vida durante os séculos V, VI e início do VII (em especial nestes dois últimos). Isto a despeito do fato de que nenhuma destas sociedades – com a possível exceção da Espanha – pode ser descrita como um grande centro de cultura clássica, quer seja na Antiguidade tardia ou antes desta. De fato, a arqueologia da Europa ocidental em geral, com exceção da Itália, mostra uma pronunciada expansão populacional, cultural e comercial durante a segunda metade do século VI e primeira metade do século VII – precisamente aqueles anos durante os quais Hodges e Whitehouse defenderam estar a civilização europeia e clássica morrendo, de forma lenta e tortuosa. Em toda parte encontramos evidência de expansão da agricultura, da população e de cidades, bem como o recrudescimento de construções em pedra ou a adoção e desenvolvimento de novas tecnologias. Na mesma vertente, novas regiões, tais como Irlanda, Grã-Bretanha setentrional (Escócia) e Germânia oriental e setentrional eram trazidas para a órbita da civilização latina, pela primeira vez.
Tanto assim para a Europa. Ainda assim, para se chegar ao fundo desta questão, precisamos olhar mais adiante. Para Pirenne, bem como para a maioria dos seus críticos, o debate sobre a ‘Idade das Trevas’ consistiu de um debate acerca do que aconteceu na Europa, particularmente Europa ocidental, a mais especialmente Gália e Itália. Porém o Oeste, com a exceção da Itália e talvez Espanha, nunca passaram de um pano de fundo, mesmo no auge do Império Romano. A realidade da situação é descrita sucintamente por Patrick J. Geary:
‘Durante os mais de cinco séculos de presença romana no Oeste, as regiões da Grã-Bretanha, Gália e Germânia eram marginais aos interesses romanos. O Império era essencialmente mediterrâneo e tal permaneceu por toda a existência deste. Assim, a Itália, Espanha e Norte da África eram as áreas ocidentais mais vitais. Entretanto, os centros culturais, econômicos e populacionais eram as grandes cidades a Leste: Alexandria, Antióquia, Éfesus e mais tarde Constantinopla. O Oeste vergava apenas uma cidade, no sentido da palavra: Roma. Nos primeiros séculos do Império, Roma podia se dar ao luxo de manter os territórios romanos do Oeste. Ainda assim, estas regiões, que supriam as legiões das fronteiras com homens e armas e mantinham os senadores locais com uma vida confortável necessária à vida civilizada dos letrados, contribuíram pouco, seja para a vida econômica ou cultural do Império.’ (Patrick J. Geary, Before France and Germany, pp. 8-9).
A partir disto, torna-se claro que, se queremos mapear o declínio e queda da civilização clássica nós devemos manter nosso olhar no Oeste, porém mantendo atenção sobre o que acontecia no Leste. Era aqui, e não no Oeste, onde se localizava a área central daquela civilização. Pirenne falhou em observar isto, talvez devido à mentalidade habitualmente eurocêntrica da cultura acadêmica de seu tempo. Ainda assim devemos examinar o Leste, e é esta a tarefa da qual nos incumbimos a partir do capítulo 10 desta obra.
Como veremos, o que quer que venha a ser dito acerca do desaparecimento da civilização clássica no Oeste, não há sombra de dúvida que ela foi extinta em meados do século VII e que o foi pelos árabes. Neste ponto, Hodges e Whitehouse permanecem estranhamento ambíguos. Por um lado, eles reconheceram que os árabes promoveram uma imensa destruição no Levante, até mesmo admitindo o surgimento no Norte da África de uma ‘Idade das Trevas’ após as conquistas árabes. Outrossim, eles sugeriram que a civilização clássica do Leste for arruinada mais pelos persas do que pelos árabes, e que na Ásia Menor pelo menos a civilização clássica já se encontrava terminalmente comprometida à época em que os árabes chegaram.
Nossa própria pesquisa baseada nas evidências nos leva a uma conclusão ligeiramente diferente: a civilização clássica foi de fato enfraquecida pela guerra destrutiva entre o Império Romano do Oriente (Bizâncio) e a Pérsia, iniciada em 612 DC, mas que, porém, Bizâncio era suficientemente poderosa e vibrante para se recuperar daquele conflito, não tivessem os árabes chegado imediatamente após este evento para devastar permanentemente a região. Estes são os fatos, como revelados pela Arqueologia. Não obstante, como veremos, eles impõem outra urgente questão: o que havia com os árabes ou, mais precisamente, com o Islã, que pudesse levar a cabo uma destruição tão universal e completa?
Neste ponto, devemos fazer uma pausa para nos dar conta do notável fato de que muito poucos historiadores que comentaram sobre a tese de Pirenne prestaram atenção à natureza do Islã ou aos seus credos. Eles todos assumiram, sem exceção, que o Islã era ou é uma fé igual às outras. De fato, quase toda a comunidade acadêmica trata os sistemas religiosos da humanidade como um todo amorfo, não vendo diferenças entre eles. Se eles escolhem uma religião para criticar, invariavelmente alvejam o Cristianismo. Há, ou houve, exceções interessantes à regra tais como Joseph Campbell que falou sobre o ‘sono do Islã’ que dominou o Oriente Médio no século VII. Porém no século XX, em geral, a comunidade acadêmica foi notavelmente positiva acerca da fé árabe muçulmana. Ainda assim, mesmo um rápido exame sobre os fundamentos do Islã é o suficiente para nos convencer de que o mesmo não se trata de uma fé como outra qualquer. E que ele é, ao contrário, uma ideologia político-religiosa cujo princípio fundamental é o expansionismo agresivo. No capítulo 13 nós veremos que, através da perpétua doutrina da ‘guerra santa’, ou jihad, e além da noção de direito presumido central à lei sharia, o Islã teve uma influência abrangente e desestabilizadora sobre o mundo mediterrâneo. Foi o assédio perpétuo dos piratas muçulmanos e mercadores de escravos que deflagrou o abandono dos assentamentos espalhados pela Europa meridional, existentes nos tempos clássicos, e o recolhimento de suas comunidades às fortificações defendidas dos topos das elevações – os primeiros castelos medievais. O mesmo assédio deflagrou o abandono dos antigos sistemas agrícolas, com seus diques e fossas de irrigação e causou o depósito de uma camada de lodo sobre os assentamentos clássicos do final deste período, pela costa do Mediterrâneo.
Nós observamos que o Islã de fato causou o fim da civilização clássica, pelo menos na sua área geográfica principal, isto é, o Oriente Médio. Não obstante, esta afirmativa não exaure a complexidade desta questão. Para os três séculos que testemunharam a ascenção do Islã e da Idade das Trevas na Europa, o período compreendendo o século VII ao X – o menos conhecido de toda a nossa História – guarda outros mistérios a serem desvendados. E estes são mistérios com os quais a Arqueologia contribuiu pouco para resolver. De fato, pode tê-los aprofundado ainda mais.
Quem quer que estude História medieval não pode deixar de notar o fato de que, exceto pelo impacto econômico que Pirenne alegou ter detectado no século VII, o real impacto cultural e ideológico do Islã sobre a Europa começa somente no final do século X e início do século XI. Documentos daquele período em diante não nos deixam dúvida de que o mundo dos ‘sarracenos’ foi considerado pelos europeus como sendo de fabulosa riqueza. Uma região sobre a qual estes últimos lançavam olhares invejosos, não somente devido às sua riquezas mas por seu aprendizado e conhecimento. A partir do final do século X em diante europeus cultos investiram esforços contínuos para se envolverem no aprendizado dos árabes. E aqui é claro nós chegamos ao próprio âmago da discordância radical sobre o Islã, que abalou o estudo dos primórdios da História medieval por duas décadas. Aqui precisamente encontramos o porque de alguns acadêmicos descreverem o Islã como tolerante e culto, por um lado, enquanto que de outro lado outros, com igual convicção, o descrevem como violento e intolerante. Qualquer que tenha sido o comprometimento causado pelo Islã na Europa no século VII, argumentam os islamófilos, ele foi mais do que compensado pelo conhecimento e sabedoria com os quais a Europa foi beneficada no século X, pela mesma fé. Conquanto a Europa possa ter penado durante três séculos de probreza e ignorânica na Idade das Trevas, o Islã se regalou de três séculos de esplendor e prosperidade sem paralelo, uma verdadeira Idade do Ouro.
Esta, pelo menos, tem sido a narrativa até agora. Ao longo do meio-século pregresso, as descobertas da Arquelogia minaram este quadro, e têm revelado fatos que podem eventualmente muito bem nos compelir a um repensamento radical.
Ao mesmo tempo em que alguns historiadores da Europa medieval, baseados nas fontes escritas tradicionais, têm consistentemente defendido a revisão do termo ‘Idade das Trevas’ em nossa nomenclatura, a evidência arqueológica tem apenas servido para demonstrar o quão ‘das trevas’ esta época de fato foi. Isto porque, não importa o quanto tenham se esforçado, os escavadores falharam em descobrir qualquer civilização na Europa, digna de assim ser chamada, no período compreendido entre o final do século VII ao início do século X. De fato, o progresso da pesquisa tem repetidamente demonstrado que, mesmo os míseros poucos monumentos e artefatos atribuídos a estes séculos de ‘treva’, geralmente não sugerem absolutamente ter pertencido àquela época ou ao período imediatamente precedente.
Certamente, disseram os arqueologistas, isto é uma prova sólida de que a Europa era então uma terra entrevada e bárbara – e muito despovoada – durante aqueles longos anos.
Porém, o mistério aprofunda-se ainda mais. Isto porque nós hoje sabemos que a Europa não é a única região desprovida de dados arqueológicos equivalentes ao período entre o séculos VII e X. O mesmo hiato é observado através do mundo islâmico. Eis aqui um grande choque à lógica coletiva! Ao mesmo tempo em que a ausência de cultura e despovoamento teriam sido esperadas na Europa, estas não o teriam sido no Norte da África, Egito, Síria e Mesopotâmia. Estas regiões, afinal, formavam o coração do Califado, o núcleo mesmo populacional, comercial e da vida cultural durante os três séculos daquilo que foi chamado a Era de Ouro do Islã. Escavadores esperariam encontrar mesquitas luxuosas, palácios, banhos, etc correspondentes a esta época, localizados no meio de metrópoles veradeiramente enormes. Afinal, o fabuloso Harun al-Rashid no século IX teria reinado sobre a cidade de Bagdah, lar de um milhão de pessoas. Córdoba, simultaneamente capital do Emirado espanhol, diz-se ter sido o lar de meio milhão de almas! Ainda assim, desta esplêndida civilização, um tijolo inscrito sequer foi achado! É verdade que desde o início da época islâmica tem se encontado ocasionalmente (embora infrequentemente) algum material arqueológico. Este data de meados do século VII. Então, após isto, há três séculos inteiros com virtualmente nada. Em meados do século X as atividades arqueológicas são retomadas e há conversas sobre um ‘reavivamento’ de cidades no mundo muçulmano, bem como na Europa. De fato, os meados do século X revelam uma civilização florescente e de muitas formas esplêndida, claramente mais opulenta e em um estágio mais avançado do que qualquer coisa que seja na Europa contemporânea àquela. Ainda assim, esta civilização parece brotar do nada: não há antecedentes arqueológicos relativos a ela.
Estas descobertas serviram para sublinhar a dicotomia existente no coração de toda a discussão acerca do Islã. De fato, acrescentaram outra nuance à mesma: por um lado, como vimos, há prova de uma massiva destruição promovida pelos árabes muçulmanos no Oriente Próximo, ocorrida em meados do século VII. Tão grande foi a destruição que muitas das cidades e comunidades que eram prósperas sob o governo bizantino, e assim permaneceram durante o primeiro quarto do século VII, foram abandonadas ou desertadas, para jamais serem reocupadas. Suas ruínas desoladas encontram-se por todo o Oriente Médio e Norte da África. Sempre acreditou-se, por outro lado, que após esta destruição as regiões muçulmanas desfrutaram de uma ‘Idade de Ouro’ que perdurou pelos séculos X e XI. Esta, pelo menos, tem sido a narrativa e o argumento prevalentes, até recentemente.
Deveríamos observar que a aparência arqueológica da primeira cultura islâmica rica, isto é, aquela que existiu nos séculos X e XI, coincide com a história escrita a qual sempre indicou que o impacto cultural do Islã chegou à Europa somente nos séculos X e XI. O que pode significar isto tudo? Seria este um mistério que pode ser resolvido, ou estaria além de nossa simples engenhosidade humana poder chegar ao fundo dele?
Como veremos no capítulo final do presente estudo, tão grande tornou-se este problema que dele derivaram soluções radicais, até mesmo tresloucadas. Uma delas, apoiada por não poucos historiadores e climatologistas, é que uma alguma forma de desastre natural abateu-se sobre a Europa e talvez até mesmo sobre a Terra inteira durante o século VII. Vários escritores, referindo-se principalmente às crônicas medievais, falam de uma mini-Era do Gelo ou talvez um período de aquecimento global. Outros olham aos céus e veem cometas e asteroides como causas. Este escritores concordam que houve uma ‘Idade das Trevas’, porém teria sido causada pela natureza, mais do que pelo homem. Outra escola de pensamento, influente na Europa, nega totalmente a existência de uma ‘Idade das Trevas’ e alega que os 300 anos concernentes ao período entre o início do século VII e o início do século X, como descritos pelos escribas trabalhando para o Imperador Otto III no final do século X, jamais existiram, tendo sido uma mera criação fictícia. Os proponentes mais importantes desta teoria foram os escritores alemães Heribert Illig e Gunnar Heinsohn. Seria impossível fazer justiça a qualquer uma destas teorias ou de examinar todas as suas implicações em um único volume, que dirá um capítulo. Olharemos brevemente algumas delas, ao final do presente estudo. Basta dizer que ao mesmo tempo em que a tese de Illig pode ser vista como solucionadora de diversos mistérios até o momento intratáveis (por exemplo, por que a arte ‘romanesca’ dos séculos X e XI parecem tanto com a arte merovíngia do século VII), ela tem sido quase que universalmente rejeitada pela grande parte da comunidade acadêmica, permanecendo decididamente uma ideia marginal.
Deixando estas questões de lado, o presente estudo conclui observando que o conhecimento acadêmico chegou agora a diversas conclusões que se posicionam acima de qualquer discussão e que tendem a oferecer apoio definitivo a Pirenne.
Primeiramente, e acima de tudo, a evidência sugere que a civilização clássica (greco-romana) encontrava-se viva e bem no período compreendido entre o final do século V a início do século VII. Este foi particularmente o caso no Oriente Médio e Norte da África, que eram o coração da cultura mediterrânea antiga e nas quais estavam situados aqueles que eram, de longe, os maiores centros populacionais, de riqueza e de industrialidade. A evidência sugere que até o primeiro quarto do século VII estas regiões eram florescentes como nunca haviam sido antes. Porém, a civilização clássica estava viva e bem também na Europa, uma região que sempre foi periférica à civilização greco-romana (exceto pela Itália central e meridional). E, fora da Itália central, não encontramos quaisquer dos sinais de decadência que os críticos de Pirenne alegaram ter detectado. Pelo contrário, a Gália, e em particular a Espanha, abrigaram uma cultura clássica tardia próspera e vigorosa, crescente ao invés de decadente. De fato, nos anos finais do século VI, a civilização clássica havia começado a disseminar-se para regiões nunca alcançadas pelas legiões romanas. Latim e grego eram agora estudados ao longo das margens do Elba e na Germânia oriental, bem como Hébridas, nos mares da Escócia setentrional.
Em segundo lugar, a evidência mostra que esta cultura conheceu um declínio rápido e terminal nas décadas de 20 e 30 do século VII. As grandes cidades da Ásia Menor e toda a Síria nesta época mostram sinais de violenta destruição, após a qual elas nunca mais foram reconstruídas. Quaisquer sinais arqueológicos existentes sobre as mesmas são invariavelmente escassos e de pequena escala. Geralmente, pouco mais do que uma pequena fortaleza. Contemporânea à destruição das cidades clássicas, encontramos uma decadência universal também no interior. A camada de solo superior é erodida pela água e uma camada de subsolo, conhecida como ‘material recente’, cobre comunidades em vales de rios, bloqueando seus portos [N.T.: ‘material recente’ é um termo cunhado pelo geólogo Claudio Vita-Finzi, que corresponde a uma camada sedimentar nova, rica em material de importância arqueológica]. Este estrato aparece por todo o mundo mediterrâneo, da Síria à Espanha, e é a assinatura geográfica do fim da civilização greco-romana. Com o surgimento desta camada, os padrões clássicos de gerenciamento de comunidades e da terra são abandonados. Este também é o padrão no sul da Europa, onde encontramos agora uma fuga das comunidades para o topo de elevações, com o propósito de se defender – os primeiros castelos medievais. Ambos desdobramentos podem ser explicados pelo surgimento de invasores e piratas muçulmanos por toda a costa do Mediterrâneo, a partir da década de ’30 do século VII em diante. E, se esta não for a explicação aceita, então nenhuma outra existirá.
Em terceiro lugar, a partir de meados do século VII em diante há um quase total desaparecimento de informação arqueológica na Europa e por todo o Oriente Médio e Norte da África, por um período de três séculos. Este desaparecimento, parece, não tem nenhuma relação com o que tem sido sempre chamado de a ‘Idade das Trevas’ da Europa, porque ele também ocorre em terras islâmicas. A partir de meados do século X até o seu final, cidades e comunidades ressurgem, tanto em terras islâmicas quanto cristãs e (apesar de as grandes cidades dos tempos clássicos terem desaparecido para sempre), a cultura material dos novos assentamentos é em muitas formas notavelmente reminiscente da cultura material do século VII.
Isto, em resumo, é o que diz a Arqueologia. Ao final do presente volume nós observaremos brevemente os eventos subsequentes à ascenção e à disseminação do Islamismo. Lá descobriremos que não só os árabes exterminaram a civilização clássica no Levante e Norte da África, isolando portanto a Europa dos impulsos humanizadores e civilizatórios que previamente haviam emanado destas regiões, mas agora eles teriam começado no século X a exercer sua própria influência sobre o Oeste. E esta influência foi tudo, exceto benevolente. É claro que é amplamente aceito que o Islã teve um profundo impacto cultural sobre Europa medieval, em seus primórdios. De fato, a universalidade deste impacto tem sido tradicionalmente vista como subjacente à superioridade cultural do Islã àquela época. Não obstante, como veremos, além de alguns comentários de Aristóteles e de alguns poucos conceitos científicos e tecnológicos (os quais não são absolutamente invenções ‘árabes’), o Islã transmitiu à Europa um apanhado de ideias a atitudes, nem de longe iluminados. Mais obviamente, o conceito de ‘guerra santa’, o qual foi adotado pela Europa (assumidamente de forma um tanto relutante) no século XI, foi inteiramente uma inovação islâmica, bem como uma tendência à teocracia (santificada pelo todo-poderoso papado medieval) e a supressão, à força, das ideias heterodoxas.
* * *
Não podemos deixar de admitir que um trabalho como este não pode reivindicar ser exaustivo, nem tampouco a última palavra sobre o tema. Muitos dos tópicos cobertos poderiam ter sido aproveitados com maior profundidade. Não obstante, tão diversa é a gama de evidência e tão amplos os territórios e épocas cobertos, que um exame detalhado de tudo é uma completa impossibilidade. Fui compelido a estudar evidência escrita e arqueológica relativa ao período compreendido entre o século V e o século X, contido em uma externsão territorial que vai das extremidades ocidentais da Europa às fronteiras da Pérsia. E, como de se esperar, a literatura que trata destas diversas épocas e regiões é imensa, e cresce a cada dia. Tanto se tem escrito sobre a história econômica e política dos Estados bizantino, franco, visigodo e islâmico inicial em língua inglesa ao longo dos últimos vinte anos, que uma bibliografia completa poderia por si só preencher um volume inteiro. Porém, uma bibliografia portentosa não indica necessariamente argumentos convincentes ou mesmo uma linha coerente de pensamento. Como tal, me empenhei apenas em selecionar algo do material mais representativo disponível e examinar em detalhe os argumentos e evidência lá encontrados. E, assumindo que esta obra se trata de um exame da tese de Pirenne, eu me concentrei de forma geral sobre os autores que estudaram seu trabalho ou sobre aqueles cujo próprio trabalho teve um impacto direto sobre o do primeiro.
Assim, o escopo do presente trabalho é limitado. De forma geral, tendi a me concentrar sobre a evidência arqueológica. Se aprendemos qualquer coisa acerca desta época é que as fontes escritas não podem ser tomadas pelo seu conteúdo puro e simples. Elas têm de ser apoiadas pela Arqueologia. E a Arqueologia da fase final da Antiguidade e Idade Média inicial tem, até agora, produzido muito mais enigmas do que respostas.
Há tanto trabalho a ser feito. Tendo dito isto, entretanto, estou convencido de que a evidência agora acumulada aponta decisivamente à alegação de Pirenne, mesmo que não exatamente da maneira como ele imaginou. O Islã de fato terminou a civilização clássica nos seus centros principais, no Oriente Médio e na Norte da África. Seu impacto sobre a Europa entretanto foi mais limitado, e talvez não tenha chegado ao nível de catástrofe econômica que Pirenne acreditou ter ocorrido. A Europa de clima temperado já era economicamente auto-suficiente, antes da chegada dos árabes, e sua presença no Mediterrâneo fez pouco mais do que bloquear a importação para o Oeste de certos artigos de luxo orientais apreciados pelas elites da Gália, Espanha e Itália. Muito mais sério, entretanto, foi o término do fornecimento de papiro, um evento que levou, dentre outras coisas, à perda de grande parte da herança literária clássica e à perda da alfabetização em geral da população da Europa. Isto levou, rapidamente de fato, à mentalidade ‘medieval’ com a qual estamos bem familiarizados.
Emmet Scott é um historiador especializado em História antiga do Oriente Próximo. Ao longo dos últimos 10 anos, ele voltou sua atenção às fases tardias da Antiguidade e à fase de declínio da civilização clássica, a qual ele enxerga como um dos episódios mais cruciais na História da civilização ocidental.
\blog_JoseAtento\Historia-Isla-causou-Idade-das-Trevas