No nosso último artigo, Revendo o ataque genocida do Azerbaijão e da Turquia contra os armênios em 2020, nós tratamos da guerra que Azerbaijão e Turquia fizeram contra a República de Artsaque (Nagorno-Carabaque). Neste artigo, iremos tratar das consequências deste conflito e do desenrolar dos acontecimentos em desde o seu término até precária situação de hoje, quando Artsaque se rendeu e começa a ser ocupado pelo exército azerbaijano. A crise humanitária sem amplia, pois toda a população de Artsaque, composta por 120 mil cristãos armênios, sabem que se eles não fugirem, eles serão mortos. Ou seja, os armênios estão sendo expulsos da sua terra ancestral, novamente. Esse desfecho torna a situação da Armênia precária e perigosa.
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Vamos começar fazendo uma pequena retrospectiva histórica da Armênia desde o começo das invasões turcas no século 11. O Mapa 1 mostra de um modo aproximado as regiões da Ásia menor onde os armênios vivem desde tempos e memoriais, milhares de anos antes das invasões turcas (linha tracejada em vermelho). Mostra, também, as atuais Turquia, Armênia e Azerbaijão.
Os limites políticos dos diversos reinos da Armênia variaram ao longo dos séculos devido a interação com os seus vizinhos, geralmente mais poderosos. Os armênios apenas se tornavam cidadãos de um novo império, mas mantinham sua religião e cultura, independente da religião oficial do império, tenham sido persas, gregos ou romanos. Contudo, a população armênia permaneceu morando nestas regiões, sem ser perseguida, expulsa de suas casas ou obrigada a abraçar uma outra religião.
A coisa toda mudou quando os turcos começaram a sua migração das estepes da Ásia Central. Os turcos encontraram no islamismo a justificativa religiosa para o seu estilo de vida, baseado na pilhagem, no estupro e escravidão. A perseguição contra os armênios (e gregos, e assírios) começou.
A Crônica de Mateus de Edessa (falecido em 1144), historiador armênio que viveu próximo às conquistas turcas iniciais, deixa tudo isso claro. De acordo com este valioso recurso histórico, em 1019, “a primeira aparição das feras sedentas de sangue… a nação selvagem de infiéis chamados turcos entrou na Arménia… e massacrou impiedosamente os fiéis cristãos com a espada”. Três décadas depois, os ataques foram praticamente ininterruptos. Em 1049, o próprio fundador do Império Turco Seljúcida, o Sultão Tughril Bey (r. 1037–1063), chegou à cidade armênia de Arzden, a oeste do Lago Van, e “passou toda a cidade à espada, causando severo massacre, como cerca de cento e cinquenta mil pessoas.”
O Mapa 2 mostra a área de concentração da população armênia na época do império otomano. Repare que o Azerbaijão não existia. O Azerbaijão foi criado (inventado) pela União Soviética em 1918. O mapa mostra também a localização da Armênia da atualidade, região onde os armênios conseguiram refúgio, fugindo do genocídio armênio perpetrado pelos turcos.
O Mapa 3 mostra o que seria o mapa político na época da União Soviética. A região em amarelo era o Oblast (província) de Nagorno-Carabaque, que os soviéticos resolveram deixar na república soviética do Azerbaijão. Os soviéticos eram contra o cristianismo, logo, eles resolveram separar os armênios, predominantemente cristãos. A região dentro da linha vermelha indica a região com maioria populacional esmagadoramente armênia. Esse é o território ocupado pela República de Artsaque, que declarou independência em 1994. Claro, o Azerbaijão nunca aceitou isso. Mas a pergunta que eu faço é: onde está a autodeterminação dos povos? A maioria da população de Artsaque votou em um plebiscite pela sua independência!
O Mapa 4, mais detalhado, mostra a República de Artsaque e o antigo Oblast (província) soviética de Nagorno-Carabaque, em amarelo. As regiões amarelo fora da linha vermelha eram controladas pelo Azerbaijão, mas reivindicadas pela República de Artsaque. As regiões com listras verdes correspondem a territórios fora do antigo Oblast de Nagorno-Carabaque controlados pela República de Artsaque desde a dissolução da União Soviética até a guerra de 2020. Em 2020, Artsaque foi atacada pelo Azerbaijão com o apoio declarado e efetivo da Turquia. Esperava-se que a Rússia fosse mediar o conflito. A Rússia enviou tropas, mas que ficaram apenas olhando enquanto o moderno exército turco-azerbaijano derrotava o pequeno e ultrapassado exército de voluntários de Artsaque. No acordo, imposto pela Rússia, forçou os armênios a entregarem a maior parte da sua terra natal em Artsaque ao Azerbaijão em um período de apenas três meses, forçando todos os arménios que viviam nessas regiões a partir.
O presidente turco Erdogan, celebrou a vitória da razia. No Islã, razia refere-se a uma batalha ou ataque contra não-muçulmanos visando a expansão do território muçulmano e conversão dos não-muçulmanos ao Islã.
Após a Guerra de 2020, o exército do Azerbaijão cercou o que restava da República de Artsaque, ocupando os pontos mais altos desta região montanhosa, tornando sua defesa praticamente impossível, e deixando as cidades e vilas expostas ao bombardeio frequente que se seguiu. A única forma de contato entre a Armênia e Artsaque era através do Corredor de Lachin, uma estrada sinuosa através das montanhas e indicada por um traço azul Mapa 4.
As “tropas de paz” da Rússia deveriam proteger a população de Artsaque bem como garantir o transporte entre Artsaque e a Armênia através do corredor de Lachin. Nada disso aconteceu. O que se viu foram as tropas russas assistirem de camarote as barbaridades cometidas contra os armênios pelas tropas do Azerbaijão, tais como prisões de cidadãos e jornalistas, tortura, execuções, degolamentos, assédio à população civil residente nos territórios conquistados pelos azerbaijanos, e a destruição de símbolos culturais e religiosos armênios, tais como as famosas cruzes de pedra khachkars.
As tropas russas também foram incapazes de impedir o bloqueio do Corredor de Lachin por 10 meses, causando a falta de alimentos, remédios e combustível, causando todo o tipo de racionamento, inclusive energia elétrica. Por 10 meses! No nariz das tropas russas.
Semana passada, a agressão do exército armênio chegou a um clímax que levou à rendição de Artsaque.
O fato é que o marasmo dos russos não é surpresa. Muito embora tanto russos quanto armênios sejam cristãos ortodoxos, a Rússia precisa do apoio, ou pelo menos da neutralidade, da Turquia por causa da guerra na Ucrânia. E a Turquia odeia os armênios tanto quanto os azerbaijanos, ambos muçulmanos. E, o que é pior, se você olhar para o mapa, veja quem está entre a Turquia e o Azerbaijão? Exatamente a Armênia. E tanto turcos quanto os azerbaijanos desejam unir territorialmente os dois países. Veja o que o presidente do Azerbaijão disse recentemente: ele quer resolver o problema do “Azerbaijão do Oeste.” E quem está à oeste do Azerbaijão? Sim, a Armênia!
A Armênia atual está nas nossas terras, e quando falei isso, se opuseram e me acusaram de ter olhos sobre outros territórios. Eu digo que isso é uma verdade histórica. Apesar disso, eu acho que nós deveríamos trabalhar no conceito de retornarmos ao “Azerbaijão do Oeste.” Agora que o conflito de Carabaque foi resolvido, esta será a questão de nossa agenda.
— Aliyev, presidente do Azerbaijão
Quando Aliyev se refere a “Azerbaijão do Oeste”, ele se refere à região sul da Armênia, o que ele chama de Corredor de Zangezur, entre Artsaque e Naquichevão (ver Mapa 3). A anexação de mais este território armênio criaria uma ligação terrestre entre Turquia e Azerbaijão. Tanto Aliyev quando Erdogan já começaram a falar abertamente sobre isso, chegando a ameaçar, dizendo que a Armênia deve abrir o Corredor Zangezur ou sofrer as consequências.
A situação dos 120 mil armênios residentes em Artsaque é precária. Eles sabem que precisam deixar suas casas e seus pertences para salvarem as suas vidas. Eles sabem como os turcos e os azerbaijanos tratam os armênios. Mais uma vez, os armênios são obrigados a abandonar um outro pedaço da sua terra nativa milenar, sob o bocejo da comunidade internacional e dos seus “irmãos” ortodoxos russos.
Isso se chama limpeza étnica.
Cem anos atrás o mundo disse: “Nunca mais.”
O mundo estava mentindo.
Artigos sobre o contínuo genocídio armênio
- Revendo o ataque genocida do Azerbaijão e da Turquia contra os armênios em 2020
- O Genocídio Armênio
- Reflexão no ano do centenário
- Natal nos tempos do Genocídio Armênio
- Bacia do Eufrates preenchida com os ossos dos armênios
- Destruição das igrejas armênias pela Turquia – a história sendo apagada para que os turcos possam dizer “vejam só, a Asia Menor foi sempre nossa, Allahu Akbar.”
- Azerbaijão promove “o maior genocídio cultural do século 21” … sob os nossos olhos
- Os Massacres de Sumgait e de Baku (1988-1990): a continuação do Genocídio Armênio às margens do Mar Cáspio
- O esquecido genocídio armênio de 1019 AD
- Revolução colorida no Cazaquistão facilita sonho turco da “Grande Turan”
\088(e)-Armenia-Artsaque-Azerbaijao-2021-2023
Chauke Stephan Filho diz
Que ótimo artigo! Vou compartilhá-lo com umas trinta pessoas.
Eric diz
Os muçulmanos finalmente vão realizar o desejo antigo deles de erradicar a Armênia?
DOUGLAS diz
A SUPOSTA IGREJA ORTODOXA RUSSA SÓ SERVE PRA COMPOR A SOPA EURASIANISTA DO DUGIN.