O mundo vive hoje um impasse na Ucrânia, temeroso de um conflito armado entre a Rússia e os aliados da OTAN. A confusão na Ucrânia, de fato, começou quando uma *revolução colorida* derrubou o governo do então presidente Viktor Yushchenko que mantinha boas relações com a Rússia. Isso aconteceu em 2013 e 2014. Em fevereiro de 2014, Yushchenko foi deposto pelo parlamento e um nova eleição, realizada em maio, levou Petro Poroshenko ao poder, um político mais interessado em buscar uma integração com a União Europeia.
*Revolução colorida* é um termo usado para designar uma série de operações de troca de regime notavelmente efetivas promovidas pela CIA, e que usam técnicas desenvolvidas pela RAND Corporation, ONGs “pró-democracia” e outros grupos desde os anos 1980. Elas foram usadas, embora grosseiramente, durante a guerra fria. Estas técnicas foram refinadas e usadas para derrubar regimes no Bahrein (Revolução da Pérola, em 2011), Rússia (Revolução da Neve, 2011), Macedônia (Revolução Colorida, 2016) e Armênia (Velvet Revolution, 2018) e na chamada Primavera Árabe (Tunísia, Marrocos, Síria, Líbia, Egito, 2011) esta última orquestrada por Hilary Clinton e Barack Obama.
A queda de Yushchenko criou um vácuo de poder, que levou a uma revolta dos russos étnicos separatistas de Donbass, região no extremo leste do país que faz fronteira com a Rússia. Em março de 2014, o parlamento russo autorizou o envio de tropas militares para Crimeia. Logo em seguida, um plebiscito popular aprovou a decisão a decisão do parlamento da Criméia de entrar para a Federação Russa, com os direitos de uma entidade da Federação Russa.
A preocupação da Rússia é evitar ser cercada pela OTAN, de preferência sem ter fronteira física com algum país-membro da OTAN, algo que já acontece com a Estônia e a Letônia. A Rússia sabe que a OTAN não aceita como membro um país envolvido em conflito. A Rússia teve um conflito com a Geórgia (em 2008). A Rússia mantém uma situação de conflito com a Ucrânia, como mencionado acima. E, agora, vem esta tentativa de revolução colorida no Cazaquistão.
Cazaquistão
O Cazaquistão é um país alinhado com a Rússia, membro da Organização do Tratado da Segurança Coletiva (CSTO, de Collective Security Treaty Organization – uma aliança intergovernamental militar de alguns Estados pós-soviéticos, formada pela Rússia, Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão) e da União Econômica da Eurásia.
As manifestações ocorrendo no Cazaquistão estão sendo creditadas ao aumento no preço do combustível. Contudo, desde dezembro passado, a embaixada dos EUA já alertava os cidadãos americanos que tumultos de rua eram previstos. Agências de notícias ocidentais alegam que muitos cazaques estão insatisfeitos com partido do governo, que detém mais de 80% dos assentos no parlamento. As maiores manifestações ocorrem na capital, Nur-Sultan, e na maior cidade, Almaty. Em Almaty, os manifestantes invadiram a residência presidencial e o gabinete do prefeito na quarta-feira, incendiando ambas. Os manifestantes também invadiram o escritório da companhia russa de rádio e televisão Mir, e o edifício da emissora nacional do Cazaquistão. Muitos manifestantes estavam armados com escudos e até mesmo armas de fogo. O presidente Kassym-Jomart Tokayev apelou à Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que se comprometeu a enviar tropas. Ele também declarou um estado de emergência de duas semanas para todo o país.
O sonho turco da “Grande Turan”
O que se percebe é que a cada mudança de poder alcançada através de uma revolução colorida nos países pós-soviéticos, os novos líderes enfraquecem ou mesmo suprimem a influência russa, sendo substituída por interesses da Turquia. O mesmo que aconteceu na Geórgia e na Ucrânia vem sendo tentado na Armênia. Com essa possível revolução colorida no Cazaquistão, a Turquia ficaria ainda mais forte para realizar este seu sonho de um grande império turcomano, o Grande Turan.
Basta uma busca na Internet para se ver o que este Grande Turan representa. Veja, na figura abaixo, que ele engloba desde os porções dos Balcãs e da Ucrânia, passando pela Turquia, norte do Irã, Azerbaijão, Uzbequistão, Cazaquistão e Turcomenistão, uma grande parte da Rússia e Mongólia, e a Região Autônoma de Xinjiang na China (onde se concentram os uigures).
A ideia do pan-turanismo se baseia na suposta origem comum dos povos da Ásia Central. Supõe-se que o termo seja originário da Pérsia, aludindo à ideia de uma grande confederação de estados islâmicos na eurásia. Essa utopia política nunca existiu, mas serve como combustível para grupos tentarem subjugar estes povos.
Hoje em dia, vê-se esse conceito sendo usado pela OTAN visando não apenas cercar a Rússia, mas vê-la repartida em estados menores e vassalos, uma ideia concatenada desde a época da guerra fria.
Mas, quem alardeia mais abertamente o sonho da Grande Turan é o presidente turco, e candidato a califa, Ercep Erdogan, que sonha em fazer ressurgir um Império Otomano expandido, incluindo estados independentes cavados da Rússia e da China, com Istanbul como a capital. Aparentemente, os EUA e a OTAN acham que podem ser os verdadeiros mestres e controladores da Grande Turan, dizendo a Istanbul o que fazer. As lições da história mostram que planos de controle indireto, na maioria das vezes, produz efeitos opostos aos almejados.
Não é apenas Erdogan. Existe um enorme grupo de nacionalistas ao seu redor que também fomentam esta ideia. A ideia é que, uma vez que a Armênia e os armênios de Artsakh sejam liquidados pela Turquia e pelo Azerbaijão, um corredor terrestre conectará a Turquia ao Mar Cáspio e aos estados turcos da Ásia Central (e, claro, aos turcos atualmente governados pela Rússia, China e Irã). Outubro de 2020, por exemplo, no rastro das vitórias militares da agressão de Azerbaijão e Turquia contra a Armênia, viu-se uma enxurrada de artigos na imprensa turca pró-Erdoğan pedindo uma “OTAN turca” com um “Exército Turan anti-Ocidente”. Observe a ênfase, esta hipotética força militar pan-turca deve ser, entre outras coisas, “anti-Ocidente”. Em fevereiro de 2021, o canal de TV estatal turco TRT1 exibiu um mapa mostrando a previsão de expansão da Turquia. Em particular, a previsão assume que até 2050 a Turquia expandirá sua esfera de influência para “os Bálcãs, Norte da África, Oriente Médio, Transcaucásia, Ásia Central, bem como parte da Rússia”.
Recentemente, Erdogan foi presenteado pelo seu parceiro de coalizão e líder do Partido do Movimento Nacionalista (MHP), Devlet Bahçeli, com um mapa mostrando o Grande Turan. O mapa, e entusiasticamente aceito por Erdoğan, foi entregue após a reunião do Conselho de Cooperação dos Estados de Língua Turca. O sonho nunca esteve tão claro.
Enquanto a Turquia e o Azerbaijão se afundam cada vez mais um nacionalismo turco e islâmico, os países da Ásia Central, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão, não são consumidos por tendências ultranacionalistas por causa do efeito secularizador e moderador do domínio russo e soviético. No entanto, a Turquia vem trabalhando arduamente para moldar sua ordem regional, tentando coagir os estados da Ásia Central ao hiper nacionalismo, reivindicando uma suposta cultura e ancestralidade comuns, em vez de apenas uma simples conexão linguística.
A expansão para a Europa
Enquanto isso, Erdogan continua com os seus esforços de radicalizar a grande minoria turca que vive em alguns países da Europa Ocidental, como na Holanda, França, Alemanha, Suiça e Áustria, tentando fazer com que eles se sintam turcos e muçulmanos acima de qualquer coisa. Vimos a Turquia desempenhar papel ideológico e de propaganda de incitamento contra a França na crise manufaturada sobre aquelas velhas caricaturas do profeta Maomé no Charlie Hebdo. Na Alemanha, Suíça e Áustria, Erdogan disse aos turcos residentes nestes países para eles manterem a identidade turca e que qualquer forma de assimilação na cultura local seria um genocídio cultural. E, na Holanda, Tunahan Kuzu, o líder do partido islâmico Denk (ou “Pense”), adepto que a lei islâmica sharia chegue ao poder na Holanda, afirmou recentemente que “Se eles (holandeses nativos) não gostam da Holanda variada, onde diferentes pessoas de diferentes origens vivem umas com as outras em uma cidade como Zandaam, em um distrito como Polenbug, então eles podem ir embora.”
O poder político está sendo drenado sistematicamente por partidos islâmicos pró-Turquia liderados por imigrantes turcos em toda a Europa como parte do plano estereotipado de Erdoğan para finalmente restabelecer o califado.
(Leia mais sobre Jihad e sobre o papel do califa na jihad)
Erdoğan comunicou abertamente a sua fórmula imperial com a fase inicial em que a Turquia inunda a Europa com imigrantes ilegais. Ele então envia cidadãos turcos instruídos subsequentes para imigrar legalmente para aquelas comunidades europeias densas de migrantes para concorrer a cargos e organizar os migrantes para votarem neles. Enquanto esses imigrantes turcos asseguram cargos políticos, Erdoğan cria mesquitas e envia imãs turcos a esses países para treinar os migrantes (as mesquitas também têm escolas para treinar as crianças). Como uma etapa final nesta fórmula, Erdoğan então usa esses partidos políticos (e as leis do país anfitrião) para promover suas agendas e restabelecer a autoridade que antes era detida pelo Império Otomano.
Se os ocidentais dos EUA e da OTAN acham que podem manobrar o islamismo, fiquem eles sabendo que o islamismo existe para dominar, e não para ser dominado.
\Revolução colorida no Cazaquistão facilita sonho turco da Grande Turan Turquia Russia 2022
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