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Não queremos Lei Islâmica (Sharia) no Brasil

Cruzadas

Sobre a superior tecnologia européia na época das Cruzadas

21 junho, 2019 by José Atento 2 Comentários

Há muito se afirma que o maior benefício (ou mesmo, o único benefício, segundo alguns) resultante das Cruzadas foi que elas expuseram os europeus ocidentais atrasados ​​e bárbaros às civilizações “mais avançadas” do mundo muçulmano. No entanto, as evidências demonstram que a situação era consideravelmente mais sutil e que o desenvolvimento era uma via de mão dupla. Além disso, a sociedade mais pronta para se adaptar nem sempre é a mais fraca ou mais atrasada.

Este artigo  apresenta o fato de que as cruzadas apenas foram possíveis devido a uma superioridade technológica européia em diversos aspectos.

Observação. O termo “Francos” usado abaixo se refere aos cruzados europeus e seus descendentes que habitaram a “Terra Santa” durantes os Estados Cruzados, por ser deste modo que os muçulmanos se referiam a eles.

Texto oriundo de Real Crusades History com acréscimos e comentários.

 
Vamos começar com a suposição de que a cultura islâmica 
experimentou um florescimento significativo nos séculos imediatamente anteriores 
às Cruzadas. Isso pode ser facilmente explicado se nos lembrarmos que 
os invasores muçulmanos oriundos da Península Arábica, eram 
mais atrasados, seja culturalmente ou em qualquer outro sentido,
que os povos por eles conquistados, a Pérsia e a porção mais rica do 
Império Romano do Oriente (Síria e Egito). Para os invasores muçulmanos, as
conquistas militares abriu-lhes um mundo novo e muito mais avançado. 
E, deve-se considerar também, que os nomes que se associam ao
florescimento cultura islâmica eram, na verdade, persas, gregos, assírios  
e judeus, que adotaram nomes árabes e escreviam em árabe, que 
havia se tornado a língua oficial. Nem muçulmanos eles eram. 


(Leia depois sobre a guerra que facilitou as conquistas islâmicas) 


No entanto, longe de ficar presa em uma “idade das trevas”, a Europa 
também passava por um período de desenvolvimento significativo e avanço 
tecnológico. Contrariamente às noções populares, ao longo das chamadas 
“Idades das Trevas”, o aprendizado dos antigos textos gregos foi preservado 
– e traduzido para o latim, enquanto ao mesmo tempo grandes inovações 
tecnológicas estavam tornando a Europa mais próspera e seu povo mais 
saudável. O professor Rodney Stark argumenta que “os europeus medievais 
podem ter sido o primeiro grupo humano cujo potencial genético não foi 
prejudicado por uma dieta pobre, com o resultado de que eles eram, em 
média, mais altos, mais saudáveis ​​e mais enérgicos do que as pessoas comuns”.[1]
 
Como resultado, a troca de conhecimento e tecnologia que se seguiu à 
Primeira Cruzada não foi, de modo algum, uma via de mão única. Enquanto os que 
Francos logo aprenderam a empregar a cavalaria ligeira na forma de arqueiros 
cristãos nativos (erroneamente chamados de turcopolos, apesar de não serem 
nem turcos, nem muçulmanos apóstatas), os sarracenos começaram a desenvolver 
a cavalaria pesada capaz de combater de perto. Enquanto os francos aprendiam 
sobre a fabricação de papel e aprimoravam as técnicas de fabricação de vidro 
dos sírios, os árabes aprenderam com os métodos industriais dos Francos para a 
fabricação de açúcar, um comércio altamente lucrativo. Enquanto o costume 
dos banhos públicos se movia de leste para oeste, o conceito de chaminés 
se movia na direção oposta.

Nem deveríamos assumir automaticamente que a cultura mais aberta à adaptação era 
a cultura mais fraca. Por exemplo, não há dúvida de que a arquitetura naval européia 
era muito superior à navegação árabe contemporânea, mas os árabes não puderam 
adotar a tecnologia de navegação ocidental, em grande parte devido à baixa 
qualidade de seus construtores e marinheiros. As chaminés construídas na 
Terra Santa pelos Francos caíram em desuso e depois desapareceram completamente 
da arquitetura local depois da partida dos Francos, não porque as chaminés fossem 
inúteis ou atrasadas, mas devido à pura inércia da “tradição”.
Também não devemos esquecer que muitas das “invenções” que associamos ao 
“Oriente” não eram de origem sarracena (árabe), mas grega. Um exemplo clássico 
disso é o conceito de hospitais como locais onde médicos profissionais fornecem 
tratamento médico para curar os doentes. Tais instituições eram desconhecidas 
na Europa Ocidental antes da Primeira Cruzada. Quando os cruzados chegaram 
à Terra Santa, os árabes tinham hospitais sofisticados, mas as origens dessas 
instituições estavam em Bizâncio. Os primeiros hospitais do Império Romano 
do Oriente estão registrados no século IV dC; Os primeiros hospitais do 
Oriente Médio muçulmano não apareceram até o final do século VIII 
ou IX. [4] Sob a égide dos Cavaleiros de São João de Jerusalém 
(conhecidos simplesmente como “os Hospitaleiros”), os hospitais foram 
adotados na cultura da Europa Ocidental. 
O Hospital de Acre – foto do autor
 
Um fator importante que impactou a direção da transferência de tecnologia foi o 
meio ambiente. Os Francos – mas não seus oponentes árabes e turcos – viviam em 
um novo ambiente. Isso significava que os Francos precisavam se se adaptar a esse 
ambiente – um deles com extremos de calor desconhecidos em sua terra natal, 
um ambiente mais árido, menos coberto de florestas e mais densamente povoado. 
Teria sido absurdo – e estúpido – agarrar-se a tradições e tecnologias impróprias 
para o Mediterrâneo, por mais adequadas que fossem essas tecnologias, digamos, 
vivendo na Escócia ou lutando na Prússia. 
 
A adoção de sobretudos é um excelente exemplo disso. No calor intenso do verão 
sírio, usar uma peça de roupa solta sobre a armadura fazia sentido. Que os Francos 
rapidamente o fizeram, e – o que é ainda mais surpreendente – que se tornou moda 
em toda a Europa Ocidental, não é uma marca da inferioridade das formas anteriores 
de vestuário. O manto tinha uma função que estava diretamente relacionada ao 
ambiente físico no Oriente Próximo. E, mais tarde, a evolução em um meio de 
mostrar os braços e a afinidade não tem nada a ver com a superioridade árabe/turca, 
mas sim com os costumes ocidentais de cavalheirismo.
 

A prevalência de estruturas de pedra nos estados cruzados também era uma 
função da escassez de madeira, ao invés de habilidades superiores por parte 
dos pedreiros árabes. Pelo contrário, até hoje os arqueólogos podem datar os 
edifícios da era das cruzadas com base nos padrões excepcionalmente altos da 
alvenaria franca. 
 
Alvenaria franca em St. Annes ’em Jerusalém – foto do autor
 

A adoção de mercados cobertos por parte dos Francos refletiu a necessidade de

manter bens perecíveis fora do alcance do intenso sol de verão, das moscas e da 
poeira – não uma superioridade inerente de mercados cobertos se comparados aos mercados abertos. 


 


 


Mercado Coberto no Acre – foto do autor
 


A adaptação do Ocidente para o Oriente, por outro lado, foi inibida tanto pelo
fato de que o ambiente permaneceu o mesmo para os muçulmanos quanto 
pelas presunções muçulmanas de superioridade. Os muçulmanos viam os Francos 
como fundamentalmente atrasados porque eram “blasfemadores adorando a Deus 
incorretamente … ou como idólatras adorando ídolos em forma de cruz”. [2] 
No extremo, eles compartilhavam a atitude expressa por Bahr al-Fava’id, que 
escreveu: quem acredita que o seu Deus saiu das entranhas de uma mulher é 
muito louco; ele deve ser ignorado, e ele não tem inteligência nem fé.” [3] 
 
Deve-se dar crédito aos cruzados que, independentemente do que pensassem da 
teologia islâmica, não consideravam seus adeptos como inerentemente loucos 
e idiotas. Foi por causa dessa disposição de separar a religião da ciência e da arte 
que os Francos se mostraram notavelmente abertos à adaptação ao novo ambiente 
e ao desenvolvimento de uma cultura híbrida única.


O parágrafo abaixo é transcrito de [6]:


Mesmo se concedermos às alegações de que árabes instruídos possuíam um conhecimento superior de autores clássicos e produzissem alguns matemáticos e astrônomos, o fato é que eles ficaram para trás em termos de tecnologia vital como selas, estribos, ferraduras, carroças e vagões, cavalos e arreios, arados eficientes, bestas, fogo grego, construtores de navios, marinheiros, agricultura produtiva, armaduras eficientes e infantaria bem treinada. Não é de admirar que os cruzados pudessem marchar mais de quatro mil quilometros, derrotar um inimigo que os superasse em número e continuar derrotando-o, enquanto a Europa estivesse preparada para apoiá-los.
 

[1] Stark, Rodney. God’s Battalions: The Case for the Crusades, (New York: HarperOne, 2009) 70.

[2] Christie, Niall, Muslims and Crusaders: Christianity’s Wars in the Middle East, 1095-1382, From the Islamic Sources (London: Routledge, 2014) 78.

[3] Christie, 77-78.

[4] Mitchell, Piers D., Medicine in the Crusades: Warfare, Wounds and the Medieval Surgeon (Cambridge: Cambridge Univ. Press, 2004) 49-50.
[5] Edgington, Susan B., “Oriental and Occidental Medicine in the Crusader States,” in The Crusades and the Near East: Cultural Histories, ed. Conor Kostick (London: Routledge, 2011) 208.

[6] Stark, Rodney. God’s Battalions: The Case for the Crusades, 
(New York: HarperOne, 2009) 76.

 

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Cruzadas (artigos e vídeos)

10 fevereiro, 2019 by José Atento 1 comentário

Neste artigo, consolidamos material de referência sobre as Cruzadas, através de artigos e vídeos. (Em permanente construção)

Artigos no Blog

  1. Guerra sem fim: uma breve história das conquistas muçulmanas.
  2. Lista de Referências sobre as Cruzadas (para um estudo sério sobre o assunto)
  3. Verdadeiros ‘Historiadores das Cruzadas’ e Karen Armstrong
  4. Transferência tecnológica na época das Cruzadas (sobre a tecnologia superior dos cruzados)

Artigos Externos

  1. A real História das Cruzadas (Thomas Madden)
  2. Deus Vult! Como as Cruzadas salvaram o mundo (Flavio Morgenstern)

  Vídeos

Também no Bitchute: https://www.bitchute.com/video/4b64542cLVYB/
Também no Bitchute: https://www.bitchute.com/video/M9mx8eTR60R1/

Um al-qaid (comandante muçumano) andaluz retorna de uma razia, trazendo o seu espólio de guerra: uma escrava sexual
Razia (ou gazia) significa incursão árabe em território inimigo, que visa a destruição e o saque. Maomé inventou isso: um ataque rápido, geralmente à traição (quando o inimigo menos espera) e contra alvos fáceis (civis desarmados).

Quadro de José Daniel Cabrera Pena

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Guerra sem fim: uma breve história das conquistas muçulmanas

16 janeiro, 2018 by José Atento 1 comentário

David Curp
Professor Assistente de História na Ohio
University, onde leciona História contemporânea da Europa Oriental e dos
Bálcãs. Atualmente está terminando um livro sobre faxina étnica na Polônia
pós-guerra.
Artigo publicado em Crisis Magazine, 1 de novembro de 2005 e republicado em 10 denovembro de 2009.
 
            Tendemos
a superestimar a atual superioridade militar, econômica e tecnológica do
Ocidente relativamente ao mundo islâmico e projetá-la a séculos passados. Com o
luxo de ter o conhecimento da História depois que ela já aconteceu, muitos
historiadores ocidentais olham para o passado em direção à expansão do Islã no
contexto de um Império Bizantino decadente, colocando as Cruzadas medievais
como uma prequela ao moderno imperialismo ocidental e como paroxismos de
fanatismo religioso cristão.
            Os
ideais cruzadistas no Ocidente foram uma resposta à enorme ameaça da jihad
(N.T.: luta ou esforço para implantação do Islã). Elas foram deflagradas
por medo e por necessidade, num conflito desesperado contra o Islã, conflito
este que os cristãos vinham perdendo ao longo de vários séculos – e eles
estavam cientes de que estavam perdendo. A extensão das vitórias do Islã pode
ser vista no desaparecimento quase total das comunidades cristãs outrora
prósperas na África setentrional, Oriente Médio e Ásia Ocidental, bem como nos
Bálcãs, onde o Islã ainda tem raízes profundas. Os Balcãs constituem-se em região
cujo próprio nome foi imposto pelo imperialismo turco bem sucedido, do final da
Idade Méda.
          O
Islã é uma religião notavelmente bem sucedida, a qual inspirou seus seguidores
a gerar criativamente as precondições frequentemente conflituosas da guerra,
política imperialista e zelo missionário, durante a maior parte de sua
existência. Projetar a atual liberdade de ação dos países ocidentais ao passado
(N.T.: por parte do Ocidente) distorce seriamente a história e o drama da
fraqueza ocidental contínua, que levou a quase destruição da Cristandade. O
apelo emocional dos protestos do Islã radical contemporâneo contra o Ocidente
não é nutrido primariamente por um vitimismo enlutado, mas sim por uma
lembrança muito forte de como a vitória final do Islã sobre a Cristandade tem
permanecido como uma possibilidade real por um tempo tão longo. Os triunfos
muçulmanos nos primeiros séculos do islamismo formaram os alicerces que embasam
os temores da Cristandade bem como da confiança do Islã em si mesmo.
A ASCENÇÃO DO DAR AL-ISLAM
            Diferentemente
do Cristianismo, que começou à margem da vida política e social do mundo romano
e lá permaneceu por séculos, o Islã rapidamente atingiu sucesso mundial. No
espaço de um século da morte do profeta Maomé, seus seguidores já haviam
conquistado a maior parte da metade meridional do mundo mediterrâneo. Os
exércitos muçulmanos avançaram a partir da Península Arábica até a França
meridional, a oeste; ao norte dos distritos fronteiriços de Constantinopla, a
maior cidade da Cristandade. E mais além ao Oriente, às antigas civilizações da
Pérsia, Índia e fronteiras mais orientais da China.
            Nos
primeiros séculos do Islã, os estudiosos e juristas muçulmanos compreenderam
que o mundo se dividia do ponto de vista religioso e político entre Dar
al-Islam
, ou Casa da Paz, e Dar al-Harb, a Casa da Guerra (N.T.:
as traduções dos termos
Islã e Harb não devem ser tomadas
literalmente; o termo Islã pode ser interpretado como ‘paz através da
submissão’, enquanto que o termo
Harb pode ser interpretado como ‘lugar
onde deve prevalecer a guerra até o estabelecimento do Islã’
). Enquanto que
tréguas entre sociedades islâmicas e não-islâmicas eram aceitáveis, o Alcorão
ensinava que estas deveriam ser limitadas em duração. Ao final, nenhuma paz
permanente entre muçulmanos e não-muçulmanos era possível até que todos os não-muçulmanos
se submetessem ao domínio muçulmano e o Dar al-Islam abrangesse todo o
mundo. Jihad, seja na forma da ‘jihad maior’ (a luta que todos os
muçulmanos devem travar contra o pecado) ou a ‘jihad menor’ (a luta
armada contra não-muçulmanos), deveria ser integral para trazer a plenitude e a
unidade a um mundo dividido.
            As
conquistas iniciais do Islã foram aterrorizantes pelo seu poder e velocidade.
Elas golpearam o mundo mediterrâneo em uma época na qual guerra e rixas
domésticas tornavam impossível compor uma frente comum contra a expansão árabe
muçulmana. Ferrenhas disputas doutrinárias entre cristãos e uma guerra demasiadamente
exaustiva contra os persas, deixaram a única real potência cristã – Bizâncio –
despreparada para enfrentar uma jihad assustadoramente efetiva. Os
vários pequenos principados cristãos e pagãos na África setentrional e na
Espanha – tal como o dos enfraquecidos persas zoroastristas – estavam menos
aptos ainda para enfrentar os exércitos muçulmanos.
            A
fraqueza cristã e persa, bem como o sucesso do Islã em conquistar militarmente
grandes extensões territoriais e colocá-las sob seu controle, produziram uma
gama de reações entre cristãos e muçulmanos. No Ocidente, particularmente na
Espanha, a presença da religião muçulmana deixou surpreendentemente poucos
traços nos esparsos documentos cristãos referentes ao primeiro século após a
conquista. Parece que a maioria dos cristãos aceitou seus novos senhores
muçulmanos com equanimidade. De fato, muitos descobriram que o colaboracionismo
com os governantes ligados ao ‘mercado comum’ Dar al-Islam,
estendendo-se da Espanha até a cordilheira do Hindu Kush na Índia (atual fronteira entre Afeganistão e
Paquistão) era mais lucrativo do que resistir à nova classe governante, cujas demandas
inicialmente não eram onerosas e cujo poder militar era invencível.
            Os
documentos espanhóis mais antigos que tratam da presença muçulmana como um
problema religioso correspondem aos trabalhos de São Eulógio, escritos mais de
um século após a conquista, isto é, em 850. O seu Liber Apologeticus
Martyrum
, escrito para outros cristãos da Espanha, defendia a santidade dos
mártires cristãos (‘os 40 mártires de Córdoba’), os quais haviam sido
recentemente executados por denuciar publicamente o Islã e o seu profeta.
Eulógio, que em breve seria ele mesmo morto pelas autoridades muçulmanas por
defender os mártires, respondia a objeções cristãs de que aqueles que os
muçulmanos tinham executado não eram mártires porque haviam “sofrido nas
mãos de homens que veneravam a Deus e à lei”. Isto ilustra o quão profundamente
os cristãos espanhóis estavam submetidos ao domínio islâmico. Eles definiam
tanto os muçulmanos quanto suas relações com o Islã, inteiramente em termos
islâmicos.
            A
resistência franca (N.T.: nação de origem germânica, precursora da atual
França
) derrotou uma grande invasão árabe em Tours em 732 DC. Porém foi
tanto sua pobreza quanto suas armas, bem como as crescentes divisões dentro do
próprio Dar al Islam, que defenderam os cristãos ao norte dos
Pirineus (cadeia de montanhas entre a
França e a Espanha) da incorporação ao mundo muçulmano.
            Para
a maior parte dos cristãos no Oriente, entretanto, a expansão e estabilização
iniciais do Islã foram um desastre não-mitigado – agravado pela agressão muçulmana
contínua ao longo do século VIII. Começando no século VII, os bizantinos
asseguraram sua fronteira terrestre oriental, consideravelmente reduzida,
através de uma série de drásticas reformas militarizantes, que tornaram uma
grande parte do império em um estado-guarnição. Apesar do fato de que seus
vizinhos muçulmanos carecessem de unidade para promover ataques de porte, a
pressão constante de invasores muçulmanos buscando escravos e butim – bem como
a ameaça igualmente permanente da pirataria árabe pelo Mediterrâneo – impeliram
Bizâncio a permanecer em permanente estado de guerra.
            Bizâncio
perdurou através destes séculos de conflito e promoveu um marcável
florescimento de sua cultura, tanto domesticamente quanto no exterior. Os
missionários, artistas, professores e soldados de Bizâncio expandiram a
influência cultural, religiosa e política de seu império nos Bálcãs e na
Ucrânia meridional. Fato ainda mais notável, considerando que este reavivamento
aconteceu à sombra das três espadas cada vez mais pesadas de Damocles (N.T.
figura de linguagem que expressa um perigo constante
). As duas primeiras correspondiam
à criação propriamente dita de Bizâncio, forjada pelo peso de uma guerra de
sobrevivência: sua própria política interna despótica e fraturada, bem como
suas relações torturadas e por vezes hostis com outros cristãos – tanto igrejas
cristãs mais antigas ao Oriente e Ocidente como povos recentemente cristianizados,
evangelizados pelos seus missionários ao norte. Seu credo na missão de seu
império não só levou os bizantinos a considerar o seu estado como o centro
político da Cristandade, porém também produziu uma arrogância imperial que
minou a habilidade do império em cooperar efetivamente com outros cristãos.
Estes dois fatores tiveram seu perigo aumentado pela terceira e mais
imprevisível das ameaças: o comprometimento permanente dos muçulmanos com a jihad.
A CALMARIA ANTES DA TEMPESTADE
            No
Dar al-Islam
os bizantinos enfrentavam um inimigo que constante, mesmo que
às vezes de modo esporádico, renovava seu compromisso com a jihad. O
mundo muçulmano se fortalecia com os povos da Ásia, bem como com o seu amplo
acesso à mão-de-obra escrava na Ásia e África, mais rápidamente do que Bizâncio
era capaz através de suas relações com seus correligionários. A expansão
original e vasto alcance do Dar al-Islam provia o Islã com o poder
necessário para se recuperar do período de fraqueza e divisão que sobreveio
após sua fundação. Bizâncio, por outro lado, não possuía alianças tão
consolidadas.
            O
século X é frequentemente considerado um ponto baixo na expansão islâmica e no
entusiasmo jihadista, bem como uma época de reavivamento bizantino ao mesmo
tempo em que o império se recuperava de um século de ataques constantes e se
engajava em uma modesta reconquista de alguns de seus territórios. Ainda assim,
mesmo este ‘ponto baixo na expansão islâmica’ viu o desenvolvimento de um corpo
inteiro de teologia e literatura litúrgica jihadista compatíveis com
iniciativas de mesma natureza. Ghazis, ou guerreiros muçulmanos
sagrados, promoveram numerosos ataques em território bizantino naquele século.
Também internacionalizaram de forma bem sucedida sua luta anti-bizantina,
cooptando outras pessoas no seu esforço ‘defensivo’ em promover conquistas
muçulmanas preemptivas e em manter Bizâncio limitado a fronteiras facilmente
atacáveis.
            O
século começou com um espetacular sucesso muçulmano: o saque árabe da segunda
maior cidade de Bizâncio, Tessalônica, em 29 de julho de 903, quando foram
escravizados 30.000 cristãos. Em 931, grupos de assalto muçulmanos alcançaram
Ankuriya (a moderna Ankara), avançando profundamente em território bizantino,
tomando cativos outros milhares de cristãos. Ribats, estabelecimentos
muçulmanos que eram em parte mosteiro e em parte fortaleza, floresciam ao longo
de toda a fronteira da Síria setentrional e Anatólia meridional. Estes lugares
serviam como bases de onde ghazis,
que vinham de diversos lugares, até tão distantes quanto a Ásia central,
viajavam para juntarem-se aos grupos de assalto contra os cristãos,
considerados pelos muçulmanos como ‘politeístas’.
            Escritores
muçulmanos utilizavam os contra-ataques bizantinos para inflamar a opinião
muçulmana e procuravam trazer um reavivamento religioso e maior comprometimento
muçulmano com a jihad. O maior pregador muçulmano, Ibn Nubata al-Fariqi,
desenvolveu um ciclo inteiro de sermões que se tornaram o modelo para este tipo
de literatura por séculos e que mais tarde inspiraria Saladino. Em sermões que
antecipavam a terna garantia de proteção divina com a qual o Papa Urbano
impregnaria os cruzados um século mais tarde, Ibn Nubata constantemente
exortava os ghazis a assumirem a causa da jihad. Veja esta
passagem, por exemplo, citada no livro ‘Os Cruzados: Perpectivas Islâmicas‘
de Carole Hillenbrand (Routledge, 2000):

Você acha que Ele o desprezará
enquanto você O ajuda, ou você imagina que ele o deserdará enquanto você está
firme no caminho Dele? Certamente não!… Então vista – que Deus tenha
misericórdia de você – pela jihad, a cota de malha do crente e equipe-se com a
armadura daqueles que confiam [em Deus].

            Se,
como alguns estudiosos (como Hillenbrand) argumentaram, este foi o ponto baixo
dos ideais jihadistas entre os muçulmanos, mesmo tal declínio foi suficiente
para estirar as defesas de  Bizâncio a
forçá-la a manter uma guerra permanente. Também lançou sementes que floresceram
nos séculos 11 e 12 no Dar al-Islam. A jihad provou ser uma
enorme árvore no jardim do Islã.
O FIM DO COMEÇO
            No
Dia da Ortodoxia (N.T.: um dia festivo no calendário da Igreja Ortodoxa)
– 13 de março de 1071 – o imperador bizantino Romano IV liderou um dos maiores
exércitos que Bizâncio havia reunido em séculos para fora de Constantinopla. O
objetivo de Romano era terminar os ataques turcos contínuos que lentamente
fustigavam as defesas no coração do Império Bizantino e de um dos centros mais
antigos e ricos da vida cristã: a Anatólia. Apesar de conhecermos esta região
atualmente como Turquia, no século 11, a Anatólia era um território
proeminentemente cristão. O triste destino da campanha de Romano era o da
recriação e renomeação de Anatólia.
            Desde
o início da Antiguidade, a posição da Anatólia, de encruzilhada ente a Europa e
a Ásia, a tornou uma das partes mais ricas e mais intensamente urbanizadas do
mundo mediterrâneo. Era uma região diversificada, contendo grandes comunidades
gregas bem como frígias, capadocianas, celtas na região de Galácia, armênios e
judeus, entre outros. Neste cadinho urbanizado de povos – que incluía Tarso, a
cidade natal de São Paulo – o Cristianismo se disseminou rapidamente.
            Os
nomes de um número de cidades na região, se não suas histórias subsequentes,
são especialmente famiiares àqueles conhecedores do livro de Revelações: Éfeso,
Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sárdis, Filadélfia e Laodicéia. Parece que o chamado
de arrependimento registrado pelas revelações de São João se provaram bem
sucedidas no início da metade do século 2, porque estas bem como outras
igrejas, experimentaram um Cristianismo urbano intenso e vibrante, bem como
promoveram iniciativas missionárias frutíferas. Na Anatólia, a transição do
Paganismo para o Cristianismo foi mais branda do que em outros lugares do mundo
romano. A riqueza, bem como as profundas raízes cristãs da região, indicavam
Constantinopla como o lugar de refundação do Império Romano do Leste. À altura
dos séculos 10 e 11, Anatólia era o lar de oito a dez milhões de pessoas,
incluindo dezenas de milhares de refugiados do Dar al-Islam – a maior
parte deles cristãos, porém alguns muçulmanos.
            Ironicamente,
o povo que conquistou esta região em nome do Islã, os turcos seljúcidas,
converteram-se pacificamente a esta religião apesar de não terem experimentado
os milênios da cultura elevada que os separava dos povos de Anatólia. A
conversão ao Islã dos povos turcos nômades e beligerantes da Ásia Central
começou nos séculos 8 e 9. Eles começaram a migrar ao Oriente Médio nos séculos
10 e 11. Foram estes povos que esmagaram o poder militar bizantino em 1071 e
que portanto deflagraram as Cruzadas. Eventualmente liderados pela casa de
Osman – isto é, otomanos – os povos turcos completaram a conquista de
Constantinopla e criaram um império e um califado sobre as ruínas de Bizâncio
que durou até 1924. Os seljúcidas e os otomanos portaram os estandartes do Islã
mais profundamente dentro da Cristandade do que qualquer outro já houvera
alcançado anteriormente.
            Os
turcos, tal como os primeiros muçulmanos árabes, combinavam a devoção de
convertidos entusiastas com sua determinação de lançar guerra pelo Profeta e
por lucro. Convertidos por missionários sunitas, estes imigrantes turcos foram
arrebatados pelo poder (e tentados pela riqueza) da heterodoxa e eclética
Shia
(xiítas) que dominava muito da vida política do Oriente Médio à
época. Aos olhos dos tribalistas turcos, dentre muitas das falhas da sociedade
islâmica de sua época, havia a tolerância relativamente maior em relação a
cristãos e judeus que viviam entre muçulmanos ou que vinham como peregrinos aos
lugares santos – bem como uma jihad menos comprometida contra os
bizantinos.
            Os
turcos objetivaram então acabar com este problema de três formas:
1.
Lutar contra a Shia heterodoxa
dentro do Dar-al-Islam
2.
Ampliar a perseguição contra
cristãos, especialmente peregrinos vindos aos Lugares Sagrados localizados
dentro do Dar-al-Islam
3.
Jihad vigorosa contra Bizâncio
            Os
constantes sangramentos ao qual o império turco foi submetido, tanto por parte
de muçulmanos quanto de seus inimigos cristãos bizantinos, bem como o fato de estes
últimos terem buscado e conseguido este objetivo quase simultaneamente, são
testemunhos da pujança bélica turca.
            As
disciplinas da vida nômade, com sua ênfase em cavalaria e arco e flecha de
montaria, tornaram os turcos esmagadoramente eficazes em ataques de assalto e
na guerra. Os ataques de assalto dos seljúcidas na Armênia, que começaram na
década de 1020, devastaram este país e iniciaram especulações entre os
príncipes e sacerdotes armênios de que o fim do mundo estaria próximo. O que
tornou estes ataques de assalto especialmente difíceis de rechaçar era o seu
caráter constante, muito embora avulso. As tropas de ataques de assalto
operavam frequentemente de forma independente. Mesmo os tratados que os
bizantinos negociaram com os príncipes turcos ou com o califa não eram capazes
de conter estes militares de assalto que se consideravam ghazis e que,
frequentemente, obtinham a aprovação verbal de seus senhores para promover seus
ataques.
            Estes
ataques avulsos escravizavam milhares de cristãos anualmente, ameaçavam o
comércio e a agricultura ao longo das fronteiras, além de fustigar as defesas
armênias e bizantinas. Porém o pior ainda estava por vir. Alp Arslan (‘o Leão
Valente’), príncipe turco que unificou os seljúcidas em 1063 e que
eventualmente alcançou a grande vitória na batalha de Mantzikert (contra os
bizantinos
), promoveu ataques de assalto de tal brutalidade e escopo que os
cronistas cristãos referiam-se a ele como o ‘bebedor de sangue’ e uma das
forças do Anticristo.
            Ele
bem fez por merecer esta reputação. Mateus de Edessa, um historiador armênio,
descreve o saque de Alp Arslan à cidade de Ani, a capital da Armênia em 1064 (próxima
à atual Arpaçay), a qual as crônicas seljúcidas descrevem como ‘grande cidade
florescente com 500 igrejas’:

O exército entrou na cidade,
massacrou seus habitantes, pilhou e queimou-a à ruína, tornando prisioneiros
todos os que escaparam do massacre e tomando posse dela. [O número de mortos
era tamanho] que eles bloqueavam todas as ruas e não se podia passar sem andar
sobre eles. O número de prisioneiros não foi menor do que 30.000 almas.

Eu queria entrar na cidade e vê-la
com meus próprios olhos. Tentei encontrar uma rua através da qual não
precisasse andar sobre corpos.
Mas isso era impossível.

As ruínas da cidade
armênia de Ani, situada dentro do território hoje ocupado pela Turquia, como
visto da Armênia (
Creative
Commons
)
            Os
Anais dos Turcos Seljúcidas (N.T.: coleção de crônicas muçulma
nas de autoria de Ibn al-Athir) que descreve uma série inteira de campanhas que Arp Arslan promoveu na
A
rmênia naqueles anos – incluindo a destruição de numerosas cidades e
monastérios – corrobora a história de Mateus de Edessa. Em palavras que
expressam tão pouco remorso pelos custos da jihad quanto os cronistas (muçulmanos)
das Cruzadas mostraram quando descrevendo a queda de Jerusalém, os Anais relatam:

Eles entraram na cidade e mataram
mais habitantes do que se podia contar. Tantos que muitos muçulmanos não podiam
entrar na cidade porque tantos corpos havia. Eles levaram cativos tantos
quantos eles mataram.

As
boas novas destas conquistas viajaram por estas terras e os muçulmanos se
alegraram. O relato… foi lido em voz alta em Bagdá no palácio do califado e o
califa publicou um édito louvando e abençoando Arp Arslan.

 
            O
saque de Ani provou ser a chave para Anatólia. Pelos próximos vários anos, Arp
Arslan e outros militares turcos seljúcidas tornaram-se mais ousados em seus
ataques, saqueando santuários importantes tais como o de São Basílio de
Capadócia, e, em 1070, capturando Colossas, um local famoso por seu santuário
do arcanjo (Miguel) (o qual os turcos prontamente transformaram em um
estábulo).
           
            E
então, no ano seguinte, o Imperador Romanus liderou seu exército bizantino à
batalha. Não correu bem para ele.
            A
batalha de Mantzikert foi uma das batalhas mais decisivas, e não obstante
desconhecidas, do início da Idade Média. As forças de Arp Arslan destruíram o
exército de Romanus, tomando o imperador ele próprio como prisioneiro. O pânico
que tomou Bizâncio foi tão completo quanto a alegria no Dar-al-Islam,
cujos exércitos haviam lutado contra Bizâncio por séculos sem terem alcançado
tamanho sucesso. A derrota de Bizâncio tornou-se ainda mais terrível pelos
esforços bem sucedidos dos rivais de Romanus em tomar o trono durante seu
cativeiro. A curta porém terrível guerra civil que se seguiu após o retorno de
Romanus, que reclamou o seu trono e queria pagar o resgate que ele havia
negociado com Arp Arslan, fez com que os militares se concentrassem em
Constantinopla. Como resultado, as defesas orientais de Bizâncio foram
estilhaçadas e o império dividiu-se. Os turcos tiveram pouco trabalho em
recolher os restos.
            As
guerras que se seguiram não foram uma conquista no sentido tradicional. Os
turcos eram muito poucos em números para subjugar completamente esta região, um
pouco menor do que o Texas e contendo milhões de cristãos. Ao invés disto, seus
ataques contínuos por toda a Anatólia permitiram-lhes expulsar, escravizar ou
empobrecer os habitantes da região, ao longo do tempo. Pelos 300 anos
seguintes, a população decaiu a quase a metade, a despeito da contínua
imigração muçulmana à região. A maior parte destes territórios, anteriormente
férteis, tornou-se terra de pasto para os turcos ainda nômades, enquanto que
muitas cidades tornaram-se em ruínas. Da mesma forma que a Espanha meridional
seria devastada 500 anos mais tarde pela expulsão de sua população muçulmana,
Anatólia tornou-se um deserto sob o jugo de seus novos senhores estrangeiros e
religiosamente intolerantes. Além disto, a perda de Anatólia combaliu
permanentemente Bizâncio. O despedaçado escudo oriental da Cristandade
provou-se um alvo fácil para os ghazis do Dar-al-Islam contornarem
e eventualmente despedaçarem nos séculos seguintes à batalha de Mantzikert.
            Uma
vez tendo os turcos terminaram com a Cristandade oriental, o portal para a
conquista do restante da Europa estava aberto.
NOSSOS INIMIGOS, NOSSOS PROFESSORES
            É
lugar-comum alegar que os cruzados causaram cicatrizes no imaginário do mundo
muçulmano por séculos. Nacionalistas e islamistas árabes modernos têm por vezes
apontado para os cruzados como a fonte de visões anti-ocidentais no Oriente
Médio, porém isto é simplesmente incorreto. Bernard Lewis, um dos mais
destacados estudiosos ocidentais do Islã, demonstrou que a Cristandade
ocidental permaneceu após as Cruzadas como um tema de relativamente pouco
interesse para muçulmanos por séculos. Apesar das campanhas duramente
promovidas pelos cruzados, a ignorância árabe e posteriormente turca acerca dos
aspectos da geografia e cultura da Europa durante e após esta luta, mesmo os
mais básicos, poderia fazer um moderno estudante de graduação enrusbescer. Por
séculos, a Cristandade Ocidental permaneceu como uma área de fronteira para os
muçulmanos, contra a qual eles continuaram a promover a guerra de forma bem
sucedida, até quase o começo da era moderna. Além disto, a Europa despertou
pouco interesse nestes últimos.
            Desde
o início, a Cristandade pagou um preço alto para se manter frente às jihads
do Dar-al-Islam. As guerras que o Islã promoveu contra a Cristandade – e
os contra-ataques desta – degeneraram em guerras notavalmente sujas que
frequentemente conferiram poder aos piores impulsos em ambas as fés. Para os
cristãos, estas lutas abriram uma caixa de Pandora de males: elas
proporcionaram um ímpeto renovado ao anti-semitismo popular na Idade Média, bem
como ajudaram a reforçar a participação cristã no comércio de escravos durante
os séculos 15 a 16. Uma radicalização que tenebrosamente precedeu as discussões
atuais nos Estados Unidos
acerca do uso da tourtura como um meio legítimo de combater a ameaça jihadista.
            De
toda forma, os frutos da vitória do Islã frequentemente se estragavam. A
tolerância intermitente, porém relativamente maior, que caracterizava as
relações do Islã com outros ‘povos do livro’ do Oriente Médio, Espanha
muçulmana e Bálcãs, não era a tolerância característica dos vitoriosos em seu
triunfo. Mesmo em meio ao triunfo, entretanto, esta tolerância era misturada
com desprezo. As pressões da jihad que deflagraram as Cruzadas
ocidentais levaram os muçulmanos a abusarem de seu poder sobre seus súditos
cristãos e judeus sob o Dar-al-Islam, em campanhas de conversão forçada,
pogroms (N.T.: espécie de ‘arrastão’ saqueador e assassino) e outas
brutalidades. Na era moderna, à medida em que o passo do avanço islâmico
desacelerou e a maré começou a virar à favor do Ocidente, a tradição de
tolerância do Dar-al-Islam também colapsou. A magnanimidade da vitória
demonstrou ter sido uma experiência limitada demais para os muçulmanos
estabelecerem a tolerância como parte chave de sua cultura religiosa.
            Da
mesma forma que a História natural mostra que Deus é particularmente fã de
insetos, a História humana demonstra Seu deleite por paradoxos e por dialética.
O terror da jihad deu origem ao zelo cruzadista no século 11, o qual
ajudou a retardar o posterior avanço do Islã em direção ao ocidente. Em face às
jihads cada vez mais bem sucedidas nos séculos 15 e 16, o Cristianismo
por sua vez tornou-se mais agressivo e expansivo do que jamais fora. A
Cristandade tornou-se bem sucedida em acumular poder e recursos através da
colonização do hemisfério ocidental, comprometendo o status do Dar-al-Islam
como intermediário no comércio com a Ásia e eventualmente quebrando o poder
hegemônico do Islã na Eurásia. Entretanto, ao mesmo tempo em que a Cristandade
experimentava seus maiores triunfos através da descoberta e colonização do Novo
Mundo, os cristãos direcionaram suas próprias forças militarizadas domesticamente,
em nome da segurança religiosa, ameaçada pela Reforma. Desta forma terminaram, não
intencionalmente, minando esta mesma Cristandade, deixando uma Europa Ocidental
secularizante como sequela.
            Ironicamente,
então, os sucessos das jihads islâmicas em última instância fortaleceram
e construíram um Dar al-Harb mais resistente do que nunca ao avanço do
Islã, à medida em que aliviaram os cristãos ocidentais do peso da continuidade
de suas batalhas sob a forma de guerras. Enquanto que a jihad não é
menos aterrorizante agora do que tem sido por séculos, diferentemente do
passado, seu terror contínuo contém uma ansiedade e uma futilidade subjacentes,
aos olhos de seus devotos. Esta impressão se assenta tanto na constatação acerca
da inaptidão dos candidatos a ghazis modernos de utilizar qualquer coisa
que seja, exceto o medo, para alcançar seus objetivos, bem como na subversão da
unidade religiosa, social e política das fechadas sociedades muçulmanas,
promovida pelo Ocidente secular.
            Esperemos
que o nihilismo e o isolamento da militância jihadista pressagiem a renúncia da
violência sacralizada pelos fiéis muçulmanos. Tal desdobramento libertaria do
bem-merecido estigma de brutalidade religiosa, todos aqueles que clamam pelo
nome do Deus Único.
 
 

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Lista de Referências sobre as Cruzadas (para um estudo sério sobre o assunto)

13 janeiro, 2018 by José Atento 1 comentário

O grupo de historiadores do grupo Real Crusades History elaborou uma lista de leituras recomendadas sobre as cruzadas. Esta lista é o resultado de um esforço colaborativo entre os fundadores do grupo Real Crusades History e diversos colaboradores, profissionais acadêmicos. A lista criada é ampla e serve como guia para aqueles que desejam mergulhar em estudo sério das cruzadas. Esta lista não é uma lista final no sentido que a ela pode ser atualizada com o tempo. Deus vult!

Nível introdutório: 

  • The New Concise History of the Crusades, Thomas Madden

  • What were the Crusades? Jonathan Riley-Smith

  • God’s Battalions: The Case for the Crusades, Rodney Stark

  • The Crusaders: The Struggle for the Holy Land, Regine Pernoud

  • The Crusades: The Authoritative History of the War for the Holy Land, Thomas Asbridge

  • The Crusades, third edition, Jonathan Riley-Smith

  • God’s War: A New History of the Crusades, Christopher Tyerman

  • Seven Myths of the Crusades, ed. Andrew Holt and Alfred Andrea

Tópicos específicos e avançados:  

Fontes primárias: em inglês 

  • The First Crusade: The Chronicle of Fulcher of Chartres and Other Source Materials, (ed. Edward Peters)
  • The Deeds of the Franks and Other Jerusalem-Bound Pilgrims: The Earliest Chronicles of the First Crusades, (ed. and trans. Nirmal Dass)

  • Chronicles of the Crusades: Eye-witness accounts of the wars between Christianity and Islam, (ed. Elizabeth Hallam)

  • Chronicle of the Third Crusade: A Translation of the Itinerarium Peregrinorum et Gesta Regis Ricardi, Anonymous (trans. Helen Nicholson)

  • The Rare and Excellent History of Saladin, Baha al-Din Shaddad (trans. D.S. Richards)

  • A History of Deeds Done Beyond the Sea, Archbishop William of Tyre (A translation of Historia rerum in parties trasmarinis gestarum). Morningside Heights Columbia University Press, 1943

  • The Conquest of Jerusalem and the Third Crusade: Sources in Translation, Peter W. Edbury (Continuations of William of Tyre, including the Chronicles of Ernoul)

  • In Praise of the New Knighthood: a Treatise on the Knights Templar and the Holy Places of
    Jerusalem, Bernard of Clairvaux (trans. Conrad Greenia)

  • A Knight’s Own Book of Chivalry, Geoffroi de Charny (trans. Ellspeth Kennedy)

  • Joinville and Villehardouin: Chronicles of the Crusades (trans. Caroline Smith)

História islâmica, conquistas, teologia e fontes  

  • The Crusades, Christianity, and Islam, Jonathan Riley-Smith
  • Arab Historians of the Crusades, Francesco Gabrieli

  • Sea of Faith: Islam and Christianity in the Medieval Mediterranean World, Stephen O’Shea

  • The Truth about Muhammad, Robert Spencer

  • The Crusades: Islamic Perspectives, Carole Hildebrand

  • The Great Islamic Conquests, David Nicolle

  • The Great Arab Conquests, Hugh N. Kennedy

  • The Crusades through Arab Eyes, Amin Maalouf

  • Saracens: Islam in the Medieval European Imagination, John V. Tolan

A Primeira Cruzada

  • The First Crusade: A New History, Thomas Asbridge
  • The First Crusaders 1195-1131, Jonathan Riley-Smith

  • Victory in the East: A military history of the First Crusade, John France

  • The First Crusade: The Call from the East, Peter Frankopan

  • Knightly Piety and the Lay Response to the First Crusade: The Limousin and Gascony c.970 – c.1130, Marcus Bull

A Terceira Cruzada 

  • Richard I, John Gillingham
  • Richard the Lionheart: The Mighty Crusader, David Miller

  • Saladin, Andrew S. Ehrenkreutz

  • Hattin 1187: Saladin’s Greatest Victory, David Nicolle

  • Downfall of the Crusader Kingdom: The Battle of Hattin and the Loss of Jerusalem, W. B. Bartlett

O Império Romano do Oriente durante as Cruzadas (Estudos Bizantinos) 

  • The Alexiad, Anna Comnena (trans. Elizabeth Dawes)
  • Fourteen Byzantine Rulers: The Chronographica of Michael Psellus, trans. E. R. A Sewter

  • Strenuitas: The Life and Times of Robert Guiscard and Bohemond of Taranto, Danny Chaplin

  • Warfare, State, and Society in the Byzantine World 560-1204, John Haldon

Espanha Islâmica e a Reconquista 

  • The Myth of the Andalusian Paradise: Muslims, Christians, and Jews under Islamic Rule in Medieval Spain, Dario Fernandez-Mendoza (ISI Books, 2016)
  • Caliphs and Kings, Spain, 796-1031, Roger Collins (Willey Blackwell, 2012)

  • Medieval Iberia: Readings from Christian, Muslim, and Jewish Sources, ed. Olivia Remie Constable (University of Pensilvania Press, 2011)

  • A History of Medieval Spain, Joseph F. O’Callaghan

As cruzadas nórdicas  

  • The Northern Crusades, Eric Christiansen
  • The Popes and the Baltic Crusades 1147-1254, Iben Fonnesberg-Schmidt

As cruzadas algingenses  

  • The Cathars: Dualist Heretics in Languedoc in the High Middle Ages, Malcolm Barber
  • A Most Holy War: The Albigensian Crusade and the Battle for Christendom, Mark Pegg*

Pregando as Cruzadas 

  • How to Plan a Crusade, Christopher Tyerman

Monasticismo 

  • Medieval Monasticism: Forms of Religious Life in Europe in the Middle Ages, C.H. Lawrence

Os Estados Cruzados  

  • William of Tyre:Historian of the Latin East, Peter W. Edbury and John Gordon Rowe
  • The Chronicle of Ernoul and the Continuations of William of Tyre, M.R. Morgan

  • The Crusader States, Malcolm Barber

  • Crusading and the Crusader States, Andrew Jotischky

  • The Latin Kingdom of Jerusalem 1099 to 1291 AD, Claude Reignier Conder

  • Feudal Monarchy in the Latin Kingdom of Jerusalem, John L. La Monte

  • Kings and Lords in the Latin Kingdom of Jerusalem, Hans Eberhard Mayer

  • Women in the Crusader States: The Queens of Jerusalem 1100 – 90, Bernard Hamilton in Medieval Women (Studies in Church History, Subsidia I), (ed. Derek Baker)

  • The Leper King and His Heirs: Baldwin IV and the Crusader Kingdom of Jerusalem, Bernard Hamilton

  • John of Ibelin and the Kingdom of Jerusalem, Peter Edbury

  • The Kingdom of Cyprus and the Crusades, 1191-1374, Peter Edbury

Aspectos militares das Cruzadas  

  • Western warfare in the Age of the Crusades, 1000-1300, John France
  • Victory in the East: A military history of the First Crusade, John France

  • Theorizing Medieval Geopolitics: War and World Order in the Age of the Crusades (Routledge Research in Medieval Studies), Andrew Latham

Cavaleiros e cavalherismo

  • The Knight and Chivalry, Richard Barber

–  Knights: The Complete Story of the Age of Chivalry, from Historical Fact to Tales of Romance and Poetry, Andrea Hopkins

  • A Knight’s Own Book of Chivalry, Geoffroi de Charny (trans. Ellspeth Kennedy)
  • Arms and Armour of the Medieval Knight, David Edge and John Miles Paddock

  • The Sword in the Age of Chivalry, Ewart Oakeshott

  • Records of the Medieval Sword, Ewart Oakeshott

As ordens militares  

  • The Templars, Regine Pernoud
  • The New Knighthood: A History of the Orders of the Temple, Malcolm Barber

  • The Trial of the Templars (2nd.ed.), Malcolm Barber

  • The Real History behind the Templars, Sharan Newman

  • The Templars and the Assassins: The Militia of Heaven, James Wasserman

  • Dungeon, Fire, and Sword: The Knights Templar in the Crusades, John J. Robinson

  • Knights of Jerusalem: The Crusading Order of Hospitallers 1100 – 1565, David Nicolle

  • The Sword and the Green Cross: The Saga of the Knights of Saint Lazarus from the Crusades to the 21st Century, Max J. Ellul*

  • Leper Knights: The Order of St. Lazarus of Jerusalem in England, 1150 – 1544, David Marcombe

  • The Teutonic Knights: A Military History, William Urban

  • The Teutonic Knights in the Holy Land, 1190-1291, Nicholas Morton

Mulheres na Idade Média e nas Cruzadas 

  • Medieval Women (Studies in Church History, Subsidia I), (ed. Derek Baker)

O mundo das Cruzadas  

  • The Crusader World, Adrian Boas
  • The Origin of the Idea of the Crusade, Carl Erdmann

  • The Crusades and the Expansion of Catholic Christendom, 1000-1714, John France

  • Contesting the Crusades, Norman Housley

  • Fighting for the Cross: Crusading to the Holy Land, Norman Housley

  • Theorizing Medieval Geopolitics: War and World Order in the Age of the Crusades (Routledge Research in Medieval Studies), Andrew Latham

  • The Crusades: The Essential Readings (ed. Thomas Madden)

  • The Atlas of the Crusades, (ed. Jonathan Riley-Smith)

  • Walking Corpses: Leprosy in Byzantium and the Medieval West, Timothy S. miller and John W. Nesbitt

Arte, arquitetura e artifatos  

  • Crusader Archaeology: The Material Culture of the Latin East, Adrian J. Boas

  • Crusader Art: The Art of the Crusaders in the Holy Land, Jaroslave Folda

  • Secular Buildings in the Crusader Kingdom of Jerusalem: An Archaeological Gazetteer, Denys Pringle

  • The Archaeology of Weapons, Ewart Oakeshott

  • The Sword in the Age of Chivalry, Ewart Oakeshott

  • Records of the Medieval Sword, Ewart Oakeshott

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Verdadeiros ‘Historiadores das Cruzadas’ e Karen Armstrong

23 setembro, 2017 by José Atento Deixe um comentário

Neste artigo, o historiador Andrew Holt fala sobre a distinção entre os historiadores profissionais especializados na história das cruzadas e os curiosos que se passam por historiadores. Enquanto que os primeiros tratam das cruzadas como um evento histórico, com causas e consequências, os últimos se valem de uma narrativa falsa e errada. Dentro deste grupo de historiadores falsos se encontra a escritora Karen Armstrong. 

Historiadores das Cruzadas e Karen Armstrong

Andrew Holt, Ph.D.
1/6/2016. Fonte.

Karen Armstrong é uma antiga freira que escreve amplamente sobre questões políticas e religiosas, incluindo cruzadas e islamismo. Como uma bem conhecida crítica das atitudes modernas do Ocidente em relação ao Islã, Armstrong muitas vezes procurou chamar a atenção para o que ela vê como injustiças históricas cometidas pelos ocidentais no Oriente. Ela lista as cruzadas entre essas injustiças. Por exemplo, em seu trabalho, Islam: A Short History, ela escreve:

Foi, por exemplo, durante as Cruzadas, quando eram cristãos que haviam instigado uma série de guerras sagradas brutais contra o mundo muçulmano, o islamismo foi descrito pelos sábios eruditos-monges da Europa como uma fé intrinsecamente violenta e intolerante, que tinha só conseguido estabelecer-se pela espada. O mito da suposta intolerância fanática do Islã tornou-se uma das ideias recebidas do Ocidente. [pág. 179-180]

De todos aqueles que atualmente escrevem sobre as cruzadas, seu trabalho provavelmente está entre os mais populares e bem conhecidos do público em geral. No meu caso, eu tive casos de estudantes que leram seus livros em outras circunstâncias, e me questionaram sobre contradições aparentes entre o que eles estavam aprendendo nas minhas aulas e o que eles leram em seu livro. Eu também tive uma vez o caso de uma pessoa, que nunca tinha sido meu aluno, depois de ler um artigo que escrevi como convidado para o jornal Florida Times Union, me enviou um e-mail pelo mesmo motivo, buscando esclarecimentos. O motivo dessas contradições é porque eu fui treinado como historiador medieval e trabalho dentro da atual historiografia dominante das Cruzadas, muitas das quais estão decididamente em desacordo com algumas das alegações que Armstrong faz em suas obras.

O historiador das cruzadas  mais influente, e ainda vivo, é inquestionavelmente o professor aposentado da Universidade de Cambridge, Jonathan Riley-Smith. Seu trabalho nos últimos quarenta anos, incluindo mais de uma dúzia de livros, revolucionou, em muitos aspectos, nosso entendimento das cruzadas. Em contraste com a sugestão de Armstrong mencionada acima (para usar apenas um exemplo) de que os cruzados “instigaram” o conflito através da chamada às Cruzadas, Riley-Smith ressalta que “a justificativa original para a cruzada foi a agressão muçulmana”.

O que explica essa diferença de opiniões entre Jonathan Riley-Smith, talvez o principal estudioso mundial das cruzadas, e Karen Armstrong, uma das autoras mais populares do mundo sobre o assunto?

Vamos desempacotar esse embrulho.

Do meu ponto de vista, a ideia de que as cruzadas representavam um caso de guerras instigadas pelos cristãos medievais contra os muçulmanos parece sugerir falsamente que um conflito sério entre muçulmanos e cristãos só começou com as cruzadas. Isso ignora um quadro inteiramente diferente daquele que os historiadores das cruzadas frequentemente trabalham quando se considera as origens do movimento das Cruzadas. O historiador especialista nas Cruzadas, Paul F. Crawford, em pelo menos dois ensaios, delineou a história do conflito entre cristãos e muçulmanos logo após a morte de Maomé até os anos cruciais antes da chamada da Primeira Cruzada. Durante o período da Conquista Árabe, dos séculos sétimo ao oitavo, os exércitos muçulmanos conquistaram mais terras (da costa do Portugal moderno ao Hindu Kush) do que o Exército Romano conseguiu no seu auge e talvez dois terços do mundo cristão, incluindo grande parte do Império Bizantino, o Levante, a África do Norte, a Espanha, e até mesmo entrando na França durante o século VIII. O conflito contínuo entre cristãos e muçulmanos ocorreu desde o século oitavo até o final do século XI, e viu o estabelecimento do Emirado da Sicília, ataques à Itália (e duas vezes à própria cidade de Roma) e um encolhimento global significante dos territórios cristãos bizantinos.

No entanto, os eventos do final do século XI são os mais imediatamente relevantes, começando com a derrota dos bizantinos em Manzikert, em 1071. Como resultado dos eventos de Manzikert, os exércitos muçulmanos conquistaram grande parte da Asia-Menor cristã e as áreas vizinhas nos anos  seguintes. As antigas cidades cristãs de Nicéia e Antioquia, entre outros, caíram sob o domínio dos exércitos muçulmanos em 1081 e 1084, com muitos cristãos escravizados ou submetidos ao status de dhimmi (status de 3ª classe concedido a judeus e cristão) como resultado.

Já em 1074, em resposta aos pedidos de ajuda por parte dos bizantinas, na sequência da sua derrota em Manzikert, o Papa Gregório VII propôs liderar pessoalmente uma força de 50 mil cavaleiros ocidentais (europeus) para auxiliar os cristãos do Oriente, mas seus conflitos com o imperador do Sacro Império Romano impediram que isso ocorresse. A controvérsia das investiduras e outras questões no Ocidente retardaram qualquer resposta significativa, mas certamente os cristãos ocidentais estavam bem cientes da situação de deterioração para os cristãos no Oriente, já que os papas e os membros da nobreza ocidental recebiam não apenas a correspondência dos bizantinos, detalhando as atrocidades que ocorriam, mas também relatórios semelhantes e perturbadores de peregrinos e outros viajantes ocidentais (destinados à Terra Santa).

Demorou-se 11 anos, até se chegar ao Concílo de Placência (Piacenza), em 1095, quando os embaixadores bizantinos puderam finalmente chegar a um acordo com o papado recentemente estabilizado de Urbano II para ajudar o Império Bizantino, resultando na convocação da Primeira Cruzada, ao final desse ano, no Concílio de Clermont (Clermont-Ferrand). A Primeira Cruzada resultaria na efetiva restauração do território cristão recentemente perdido, incluindo a cidade de Nicéia e grande parte da Ásia Menor restiruidos para o controle bizantino, com Antioquia e outras regiões sob o controle dos recém-criados estados cruzados.

Voltando a Jonathan Riley-Smith, seu trabalho sobre as cruzadas demonstrou que muitos dos participantes da Primeira Cruzada citavam preocupações sobre o sofrimento dos cristãos no Oriente Médio, e a profanação de lugares sagrados cristãos, ao explicar suas razões para participarem dela. Em seu livro altamente considerado The First Crusade and the Idea of Crusading, Riley-Smith destaca (ver páginas 23-24) a carta de dois irmãos, por exemplo, escrita pouco antes de embarcarem na Primeira Cruzada. Eles contaram que estavam indo na cruzada, em parte, “… para acabar com a corrupção dos pagãos e a imoderada loucura através da qual inúmeros cristãos já foram oprimidos, feitos cativos e mortos com fúria bárbara”.

Jonathan Riley-Smith é o mais importante historiador das cruzadas ainda vivo

Na verdade, de acordo com a versão da convocação do Papa Urbano II para a Primeira Cruzada escrita por Robert, o monge, que afirma fornecer um relato de testemunhas do Conselho de Clermont, Urbano II descreveu a profanação da Igreja do Santo Sepulcro e, em detalhes gráficos, a violação e tortura de cristãos nas mãos de seus perseguidores muçulmanos. Peter Frankopan argumenta de forma convincente que esses relatos se originaram da correspondência do Imperador Bizantino Alexios e não foram uma invenção do Papa Urbano II. Além disso, esses relatos de sofrimento cristão nas mãos dos turcos seljúcidas são muitas vezes confirmados em fontes muçulmanas. Assim, os primeiros cruzados viram a Primeira Cruzada, durante a qual pereceram cerca de 1/3 dos cavaleiros que participaram dela, como uma guerra defensiva. Para eles, a Cruzada não foi combatida apenas em defesa do patrimônio de Cristo ou de lugares sagrados cristãos, mas também por causa do sofrimento e humilhações dos cristãos orientais. Este é um componente importante na explicação do nascimento, pelo menos, do movimento das cruzadas.

À luz dessas questões, a sugestão de que a Primeira Cruzada representou uma “instigação” das hostilidades contra o mundo muçulmano pode ser frustrante para um historiador obcecado pela verdade.

Embora seja comum encontrar referências às cruzadas em suas muitas entrevistas e escritos, seu comentário mais extenso vem de seu livro bem conhecido, Holy War: The Crusades and Their Impact on Today’s World (Guerra Santa: as Cruzadas e seu Impacto no Mundo de Hoje). O trabalho tornou-se um exemplar comum em bibliotecas universitárias nos Estados Unidos e na Europa, mas não conheço nenhum historiador, cuja pesquisa se concentra principalmente nas cruzadas (por exemplo, historiadores das cruzadas), que o recomende em seus cursos. Talvez algum algum lugar o faça, mas, de todo modo, não é algo típico.

Capa do livro de Karen Armstrong

Para que o leitor não pense que estou sozinho em expressar preocupações, muitos outros historiadores das cruzadas comentaram publicamente sobre o trabalho de Armstrong. Um erudito, o Dr. Thomas Madden, professor e ex-presidente do Departamento de História da Universidade de St. Louis e um dos principais estudiosos das cruzadas nos EUA, referiu-se com caridade à Guerra Sagrada de Armstrong como “bem redigida, mas não familiarizada com as atuais pesquisas ou fontes medievais”. Em outra ocasião, o Dr. Madden descreveu o trabalho de Armstrong em termos mais fortes, quando notou:

Originalmente escrito em 1988, este livro foi relançado em 1991 na sequência da Guerra do Golfo e agora fez outra aparição desde os ataques de 11 de setembro. Pobremente pesquisado e escrito, este livro é em grande parte um exercício na retórica moderna da esquerda sobre sensibilidade, tolerância e os males da civilização ocidental. Sua “visão tripla” é borrada por uma abordagem equivocada do islamismo e do judaísmo e uma hostilidade absoluta ao catolicismo.

O altamente respeitado e atual estudioso das cruzadas Dr. James Powell (professor emérito da Universidade de Siracusa) fez comentários semelhantes sobre a qualidade da erudição de Karen Armstrong em múltiplas ocasiões. Em 1995, ele escreveu:

Recentemente, a escritora popular Karen Armstrong voltou-se para a cruzada na Guerra Santa: as cruzadas e seu impacto no mundo de hoje (Nova York, 1991). Embora ela saliente que seus próprios antecedentes e interesses estão no campo da religião, a maior parte do livro é dedicada a comparações jornalísticas da situação do Oriente Próximo moderno e do Oriente Médio com o momento das cruzadas. Como muitas dessas obras, ela argumenta por um tipo de continuidade histórica que tem pouca semelhança com o estado atual das coisas nessas regiões. O que é de particular interesse para este ensaio, no entanto, é o grau em que ela mantém a visão de  fanatismo religioso subjacente às cruzadas. Sua visão é meramente a versão do final do século XX, pós-moderna e um pouco gnóstica, de muitas críticas anteriores dos ocidentais como fanáticos e os muçulmanos como tolerantes … Tudo isso é entrelacado com a leitura de algumas das melhores literaturas recentes sobre o assunto que dificilmente apoia suas opiniões.

Para adicionar à análise de Powell aqui, gostaria de notar que muitos grupos terroristas islâmicos modernos, incluindo o Estado islâmico e a Al Qaeda, há muito referenciam as cruzadas medievais na sua propaganda para argumentar que os esforços modernos no Oriente Médio representam a continuação de tal histórico de agressão. Armstrong ao argumentar que há continuidade entre as cruzadas e eventos medievais no Oriente Médio moderno, idéia que Powell e outros historiadores das cruzadas rejeitam, ou sugerir que a história das hostilidades entre cristãos e muçulmanos foi instigada pelos cristãos durante as cruzadas, alimenta de forma irresponsável e imprecisa a propaganda extremista moderna e serve apenas para inflamar ainda mais as tensões modernas.

Então, em 1999, Powell comentou ainda …

Alguns de vocês leram o artigo em uma revista recente do New York Times intitulada “The Crusades Even Now”. O autor é uma escritora popular bem conhecida sobre temas religiosos, Karen Armstrong. Esse artigo resume as tensões, os preconceitos e a bagagem emocional que cercam a ideia da Cruzada. Como história, é infelizmente menos bem sucedido. Com a intenção de ressaltar “lições” do passado, sua mensagem segue mais a tradição de um sermão moral do que um esforço para entender o passado.

Um líder no estudo das Cruzadas, Alfred J. Andrea (Professor emérito da Universidade de Vermont e ex-Presidente da Associação de História Mundial) também comentou sobre a (falta de) erudição da Armstrong.

Karen Armstrong, Guerra Santa: as cruzadas e seu impacto no mundo de hoje (New York, Doubleday, 1991) argumenta que “as Cruzadas foram uma das causas diretas do conflito no Oriente Médio de hoje” (p. Xiii). Seja cuidadoso. O livro é altamente partidário, considera apenas o pensamento atual, e contém inúmeros erros factuais, alguns escandalosos.

Também perguntei a outros historiadores das cruzadas sobre seus pontos de vista sobre o trabalho de Armstrong sobre as cruzadas. Eles incluíram o Dr. Dan Franke do Richard Bland College, o Dr. Paul F. Crawford da Universidade Califórnia da Pensilvânia e o Dr. Vincent Ryan da Faculdade Aquinas. Aqui estão os seus pontos de vista expressos em correspondência privada e citados com a sua permissão.

Perguntei a Dan se ele cita Armstrong em qualquer uma das aulas ele respondeu:

Não, porque tenho livros melhores para os meus propósitos. A introdução muito curta de Christopher Tyerman, a nova história concisa de Thomas Madden ou a curta história de Helen J. Nicholson fornecem um ponto de entrada igualmente acessível para as cruzadas e são muito mais confiáveis.

Quando perguntei a Paul sobre sua opinião sobre o trabalho de Armstrong, ele disse:

Karen Armstrong é uma historiadora do pop, cujas obras, embora legíveis e atraentes, são fracas quanto à fundamentação factual em fontes históricas atuais, já que demonstram  preconceito anti-católico. Quando ela lida com as cruzadas, seu desdém e desprezo por esse assunto são evidentes, e é muito difícil tratar um assunto histórico com objetividade e nuance adequados quando se traz esse tipo de atitude à pesquisa. Que o resultado do seu trabalho é infeliz e inútil demais talvez não seja surpreendente.

E Vincent, abordando argumentos particulares feitos por Armstrong, observou:

Para alguém que pensa com frequência sobre o assunto, a ignorância de Karen Armstrong sobre as Cruzadas é impressionante. No entanto, nada pode superar o argumento que ela faz na Guerra Sagrada atribuindo às Cruzadas uma influência decisiva no conflito no Oriente Médio moderno. No cerne desta tese é o apoio dos EUA ao estado de Israel, que ela consegue ligar de volta às Cruzadas, porque os cruzados eram peregrinos e as pessoas que desempenharam um papel fundamental no início da colonização inglesa da América do Norte se chamavam “peregrinos” (!). De acordo com Armstrong, isso demonstra “que um entusiasmo cruzado não está apenas inserido profundamente na identidade americana e crucialmente formativo na história americana, mas também que existe uma afinidade americana natural com o sionismo” (p. 472). Essa análise pseudo-histórica parece mais útil para um romance potencial de Dan Brown do que para oferecer qualquer visão legítima sobre as Cruzadas e seu impacto real.

Embora muitos historiadores das cruzadas encontrem problemas com o comentário de Armstrong sobre as cruzadas, a voz da ex-freira parece ter um impacto maior nas compreensões populares. Tenho certeza de que os leitores e fãs de seu trabalho podem encontrar esta postagem no blog e argumentem que seu trabalho sobre a religião em geral, ou o Islã em particular, seja útil de muitas outras maneiras. Eu não tenho tempo ou energia para entrar nesses tópicos aqui, mas à luz dos inquéritos que às vezes recebo sobre seus vários comentários relacionados às cruzadas, os leitores devem saber que os historiadores das cruzadas, têm, pelo menos, muitas preocupações sobre a qualidade do trabalho dela.

Dr. Andrew Holt é Professor de História no Florida State College em Jacksonville. Ele também ensina história para cursos de pós-graduação online para o Norwich University – The Military College of Vermont. (Leia mais)

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