Há quem diga que todas as religiões são iguais. Alguns outros, um pouco mais inteligentes, reconhecem que existem diferenças, mas as consideram superficiais, dizendo que “as religiões são superficialmente diferentes, mas profundamente semelhantes.” Mas o fato é que uma análise mais à sério das religiões levaria a uma conclusão diferente. Na verdade, as religiões são superficialmente semelhantes, mas profundamente diferentes.
Uma diferença marcante entre o islamismo e o cristianismo está contida em como cada uma destas religiões concebe ser o relacionamento do ser humano com Deus. Esta concepção tem repercussões que vão além do aspecto religioso, aqui significando apenas o relacionamento pessoal entre Deus e o homem. As repercussões desta concepção se estendem a aspectos culturais, políticos e civilizacionais. E como seriam as concepções do relacionamento entre o homem e Deus, entre a criatura e o criador, no islamismo e no cristianismo?
No islamismo, os muçulmanos são Escravos de Deus (Alá).
No cristianismo, os seres humanos são Filhos de Deus.
No islamismo, Deus, ou seja, Alá, é um ser inatingível. Alá reside no mais alto dos paraísos, escondido por de trás de véus, e permanecendo deste modo para todo o sempre, até mesmo após o dia do juízo final, quando os crentes muçulmanos estarão recebendo a sua recompensa no Paraíso Islâmico. Não existe relação pessoal entre Alá e os crentes muçulmanos, nem nesta vida, e nem na próxima. A relação que existe entre Alá e os crentes muçulmanos é a mesma que existe entre o senhor e seus escravos. Esta relação é definida pelo próprio significado da palavra islã, em árabe, que significa submissão. O muçulmano é aquele que se submete a lei de Alá, revelada através do profeta único do islamismo, Maomé. Tudo o que se sabe sobre o islamismo veio da boca de Maomé. Os muçulmanos são Escravos de Alá, em árabe, abdullah (Curiosamente, a palavra abd, que significa escravo, também significa as pessoas de cor negra – ou seja, os negros são chamados de escravos).
No cristianismo, Deus é um ser pessoal, que busca se relacionar com o homem, a criatura que ele concebeu como refletindo a sua própria imagem. Esse relacionamento pode ser encontrado logo nos primeiros livros da Bíblia. Deus é capaz de se apresentar aos seres humanos de diversas maneiras. É um contato direto. Tão direto que Ele próprio se fez homem. Deste modo, o Deus cristão não é um ser inatingível, mais um ser que busca se relacionar como os seres humanos. Deus se apresenta como um pai, e os seres humanos, todos eles, não apenas os cristão, são Filhos de Deus.
Vamos agora refletir sobre qual é a diferença entre um senhor de escravos e um pai.
Um senhor de escravos não ama os seus escravos. Ele pode ficar satisfeito com os escravos que o obedecem, ou punir aqueles que o desobedecem. Além disso, nenhum tipo de relacionamento pessoal é necessário para que os escravos façam aquilo que o seu senhor assim os ordena. Aos escravos compete obediência. Os escravos são propriedade. Os escravos não podem questionar o seu senhor. Os escravos também não amam seu o senhor. Eles têm medo dele. Se um escravo fugir, ele vai ser perseguido e punido. Os escravos esperam que a sua obediência cega, resulte em uma premiação, premiação essa de natureza sexual. Não existe amor, nem por parte do Senhor (Alá) nem por parte dos escravos. Por parte dos escravos existe obediência para fugir de punições, com a expectativa de que, em um futuro longínquo, as recompensas sexuais lhes sejam oferecidas.
A propósito, os muçulmanos são “escravos de Alá.” Mas, os não muçulmanos são colocados em uma condição ainda mais baixa. O Alcorão 98:6 chama os não muçulmanos de “os piores dentre todos os seres criados.”
Um Pai ama os seus filhos. Um pai vê seus filhos como sua reflexão, como sua própria imagem projetada em um ser humano. O relacionamento entre o pai e seus filhos é pessoal e próximo. Filhos não são propriedades do pai. Um pai fica feliz em ver o crescimento dos filhos. Um pai educa os filhos para que eles façam o que é correto e o que será benéfico para a vida deles, porém dando liberdade para que os filhos sigam a sua própria vida e façam as suas próprias escolhas, e até cometam erros, para aprender com eles. Um pai está sempre aberto para receber seus filhos, e pronto para conversar com eles. Existe liberdade e livre-arbítrio.
Eu não sei quanto a você. Mas, quanto a mim, eu prefiro um Deus que eu chame de Pai.
————
E qual a consequência destes conceitos tão diferentes?
O senhor de escravos, Alá, deixou um enorme conjunto de regras. Além disso, Alá disse que tudo o que Maomé fez e disse deveria ser levado em consideração. Com isso em vista, os escravos de Alá redigiram as leis de Alá, a chamada lei islâmica, ou Sharia. A Sharia regula todos os aspectos da vida dos muçulmanos (escravos). A codificação da Sharia levou alguns séculos, mas, ao final do século XII, as escolas de jurisprudência islâmica, tanto as sunitas quanto as xiitas, tinham consolidado a Sharia de um modo imutável. Desde então, nada foi adicionado ou alterado na Sharia, pelo simples motivo que as leis de Alá são imutáveis. Isso torna as sociedades islâmicas engessadas e cria uma armadilha para os muçulmanos menos radicais, ou seja, aqueles que reconhecem os exageros da Sharia. Estes muçulmanos menos radicais acabam sendo acusados de todos os tipos de crime e até mesmo presos como inimigos do estado ou por espalharem “corrupção na Terra”, não apenas em países mais fundamentalistas, como o Irã, mas mesmo em países considerados como “moderados”, como na Argélia (veja o caso do estudioso argelino Said Djabelkhir, por exemplo).
É por isso que não existe nenhum tipo de movimento visando uma “reforma islâmica”, o que acarretaria uma “reforma da Sharia.” Muito pelo contrário, o que mais se vê são muçulmanos lutando pela implementação da Sharia onde moram (até mesmo no Ocidente), e usando de todos os subterfúgios retóricos para defendê-la. Qualquer alteração na Sharia seria uma novidade herética, existindo até uma palavra árabe para isso: bid’ah.
É por isso, também, que muitos estudiosos e líderes muçulmanos (inclusive no Brasil) afirmam categoricamente que democracia é um conceito antagônico ao islamismo, já que as leis foram escritas por Alá, e não compete aos “escravos de Alá” questionar nenhuma delas.
Isso não quer dizer que não tenha existido contribuições individuais de muçulmanos em setores tais como arquitetura, literatura e ciência. Mas estas contribuições existiram não por causa do islamismo, mas sim, apesar dele.
Já no cristianismo, Jesus deixou de herança princípios básicos que caducaram a lei mosaica (que, aliás, nem mesmo os judeus aplicam). Ficaram, então, os Dez Mandamentos e os ensinamentos de Jesus como base para uma vida voltada ao relacionamento com o Deus Pai. O cristianismo começou pelo menos 700 anos antes do islamismo, e não existiu esforço similar para se compilar “leis cristãs” tais como os muçulmanos fariam mais tarde com a lei islâmica Sharia. Ao longo da história, as leis dos diversos países de maioria cristã, foram organizadas com bases cristãs, mas sempre com discussões das mais diversas, e dentro do espírito cristão de liberdade e livre-arbítrio. Colocando em outros termos, os filhos de Deus usaram a liberdade dada pelo Deus Pai para desenvolverem, baseados nas suas próprias ideias, leis e costumes a partir de conceitos cristãos básicos.
É verdade que na história das sociedades que se intitulavam cristãs, no passado, houve casos de uso político do cristianismo. Isso não ocorreu em decorrência da mensagem do Evangelho, mas sim devido a distorção política da religião.
O espírito cristão de liberdade e livre-arbítrio foi o que permitiu tanto desenvolvimento de ideias, muitas vezes conflitantes, nos países cristãos, a tal ponto de surgirem análises críticas do próprio cristianismo, tais como, crítica textual da Bíblia. Não é à toa que o próprio conceito de democracia encontrou terreno fértil para se desenvolver.
E, claro, não podemos nos esquecer da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, numa época quando as Nações Unidas pareciam uma organização promissora. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento construído com bases cristãs (abusos recentes são corrupções criadas pelo ateísmo dialético). Sendo, então, um documento construído em bases cristãs, não é por outro motivo que a Organização da Cooperação Islâmica, organização que reúne os mais de 50 países de maioria populacional muçulmana, tenha rejeitado este documento ao criar a sua própria declaração. Em 1980, a Organização da Cooperação Islâmica adotou a Declaração de Cairo, dizendo que todos os direitos e liberdades estipulados nesta Declaração estão sujeitos à Sharia (lei islâmica), e que a Sharia (lei islâmica) é a única fonte de referência para a explicação ou clarificação de qualquer um dos artigos desta Declaração.
Duas visões de mundo distintas e antagônicas, oriundas de um conceito aparentemente pequeno, o de ser escravo ou de ser filho.
\072(d) Escravo-de-Ala-Filho-de-Deus
Deixe um comentário