Ano passado, o Azerbaijão, com apoio explícito da Turquia, invadiu o enclave armênio de Artsak (também chamado de Nagorno-Karabah) e acabou ocupando sua parte sul, e deslocando populações armênias e destruindo prédios históricos armênios e profanando igrejas. Mas, algo que não é muito noticiado, é que Israel também ajudou o Azerbaijão, e continua dando apoio militar. De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), Israel forneceu ao Azerbaijão cerca de US $ 825 milhões em armas entre 2006 e 2019. Acontece que o Azerbaijão também faz fronteira com o Irã, que, começou a acusar o Azerbaijão de permitir a operação do exército israelense no seu território. Problema criado.
Acrescente-se a isso, o fato de que o comércio terrestre do Irã com a Armênia e com a Rússia passa ou pela estreita fronteira do Irã com a Armênia ou através de Artsak. Cerca de dois meses atrás, caminhões transportando exportações iranianas foram detidos por militares do Azerbaijão, que passou a controlar a parte sul de Artsak, e a crise se aprofundou.
O Irã enviou uma enorme quantidade de tropas para a sua fronteira com o Azerbaijão, afirmando que não aceitaria o que estava ocorrendo, que não aceitaria qualquer mudança na sua fronteira com a Armênia, e ameaçando o Azerbaijão dizendo que os militares israelenses deveriam deixar o país de modo a evitar um conflito.
Existem ainda outros fatores importantes que complicam a situação.
O Irã também tem se preocupado com sua população de origem turca e azerbaijana(incluindo-se aí turcomanos, qashgais e outros grupos de língua turca), que, estima-se, chega a 18% da população iraniana. Muitos azerbaijanos chamam o noroeste do Irã de Azerbaijão do Sul, onde quase 20 milhões de azerbaijanos vivem de acordo com diferentes estimativas. Alguns nacionalistas e intelectuais azerbaijanos há muito definem as partes do norte e do sul como cultural e socialmente idênticas, argumentando que deveriam ser unidas por uma união política. Pelo lado iraniano, historicamente, a região hoje chamada de Azerbaijão fez parte da Pérsia.
Outro ponto de tensão são os exercícios militares conjuntos no Azerbaijão envolvendo a Turquia e o Paquistão, que começaram em setembro deste ano, denominados “Três Irmãos – 2021.” As manobras militares do Irã, ao longo de sua fronteira com o Azerbaijão, podem ser vistas como uma resposta a esses exercícios militares trilaterais conduzidos pelo Azerbaijão, Turquia e Paquistão.
E, finalmente, e talvez o mais importante, é a situação como um todo dentro de um aspecto geopolítico. A região do Cáucaso sempre foi complicada e importante, incluindo-se o seu aspecto étnico. As potências ocidentais, mais precisamente os EUA e o Reino Unido, possuem grande interesse tanto no aspecto econômico, no tocante à exploração das enormes reservas de óleo e gás no Azerbaijão, quanto no aspecto geopolítico, o de tentar enfraquecer a Rússia forjando alianças com os países do Cáucaso. Quem não se lembra do conflito da Rússia com a Geórgia, em agosto de 2008, esta última apoiada, pelo menos politicamente pelos EUA, na região da Ossétia do Sul e Abecásia [https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Russo-Georgiana]. Para a Geórgia, este conflito foi um desastre, mas para as potências ocidentais foi ótimo já que, desde então, a Geórgia e a Rússia não têm relações formais. De modo que é esperado que os EUA e o Reino Unido venham a apoiar as forças anti-russas no Cáucaso, e isso inclui o Azerbaijão e a Turquia. A Armênia é vista como uma aliada da Rússia, e por isso, não conta com as simpatias de EUA e Reino Unido. Mas, de fato, a Armênia não tem outra opção, pois a Turquia e o Azerbaijão promovem uma guerra secular contra a civilização armênia. Turquia e Azerbaijão desejam apagar todos os vestígios da civilização armênia cristã.
A confusão do Cáucaso pode ser enquadrada, de algum modo, como sendo um conflito religioso, notadamente da parte da Turquia e do Azerbaijão. Tanto Turquia quanto Azerbaijão confundem cidadania com islamismo. Um “turco de verdade”, ou um “azerbaijano (azeri) de verdade” é muçulmano (mesmo que secular). Isso cria uma forma nefasta de nacionalismo. Tanto a Turquia como o Azerbaijão odeiam os armênios, que reivindicam o reconhecimento da sua história e cultura. A armênia histórica se estendia por grande parte do que é hoje Turquia e Azerbaijão, muito antes dos turcos sequer sonharem em migrar da Ásia Central. Mas, ao invés de reconhecerem a cultura armênia como parte do seu passado, tanto Turquia quanto Azerbaijão promovem a destruição da história armênia, notadamente os prédios históricos e cemitérios que ainda existem. Isso é um genocídio cultural que acontece aos nossos olhos.
(Leia depois estes artigos:
Azerbaijão promove “o maior genocídio cultural do século 21” … sob os nossos olhos
Destruição das igrejas armênias pela Turquia – a história sendo apagada para que os turcos possam dizer “vejam só, a Asia Menor foi sempre nossa, Allahu Akbar.”
O esquecido genocídio armênio de 1019 AD
O Genocídio Armênio – texto e vídeo
2015: Centenário do Genocídio Armênio, Grego e Assírio – Uma reflexão sobre o nosso futuro
Guerra sem fim: uma breve história das conquistas muçulmanas)
Mas, José, e a Geórgia também não é cristã? E os EUA e o Reino Unido também não são cristãos? Bem, a Geórgia é anti-russa e vê com preocupação a presença militar da Rússia na Armênia. A Geórgia se sente cercada pela Rússia. E quanto aos EUA e ao Reino Unido, os dois são escravos de seus interesses econômicos e geopolíticos.
E quanto a Israel, não é novidade o meu apoio a Israel na sua luta contra a jihad islâmica que deseja exterminá-lo. Contudo, não me agrada nem um pouco o fato de Israel dar apoio militar ao Azerbaijão contra a Armênia.
Um adendo.
Veja que curioso. O Azerbaijão Soviético reconheceu Artsak (Nagorno-Karabah) como sendo parte da Armênia Soviética, em nome da irmandade dos trabalhadores e camponeses. Com o desmoronamento da União Soviética, a recém-criada República do Azerbaijão esqueceu toda irmandade e passou a se valer do militarismo e da agressão.
O documento abaixo transcreve a “Declaração do Comitê Revolucionário da República Socialista Soviética do Azerbaijão em reconhecimento de Nagorno-Karabah (Artsak), Zanghezour e Naquichevan como uma parte integral da República Socialista Soviética da Armênia.
\Ira-Azerbaijao-conflito-2021
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