Como uma região regida pelas belas culturas hindus e budistas se tornou em um país no qual, hoje, apenas muçulmanos são cidadãos malaios.
Ao discutirmos a islamização da Indonésia no artigo Jihad! A Conquista da Indonésia nós também tratamos da islamização da Península Malaia, onde a atual Malásia se situa, pois existe uma parte comum que as une. Neste artigo, nós iremos fazer um breve resumo da história comum e me dedicar à situação da Malásia até os dias de hoje. Iremos também abordar a Tailândia, cujo região sul se tornou foco de ação de diversos grupos jihadistas.
A islamização da Malásia seguiu o da Jihad Islâmica como se seguisse um livro-texto, incluindo, a jihad demográfica, a jihad armada e a perseguição dos não muçulmanos.
A conquista islâmica da Malásia envolveu todos os aspectos da jihad islâmica, seja a jihad demográfica (casar com quantas mulheres locais – não muçulmanas – for possível, ter muitos filhos e cria-los para serem muçulmanos devotos, convencer homens a se tornarem muçulmanos para poderem se casar com muçulmanas, criar comunidades fechadas que se distingam legal e culturalmente da comunidade nativa, e se aproximar dos governantes exigindo tratamento diferenciado e tentando influenciá-los, ou mesmo, converte-los), a jihad armada, pela espada, através de conflitos, pequenos ou grandes, e, no poder, perseguir os não muçulmanos, criando todos os tipos de dificuldades nas vidas diárias dos nativos daquela região que não sejam muçulmanos para tornar suas vidas tão insuportáveis que a única opção para se livrar da perseguição é se tornar muçulmano.
Tudo começou durante o comércio marítimo que existia entre os diversos povos do Oceano Índico. Persas, hindus e árabes já comerciavam entre sí, e com o arquipélago indonésio, antes da criação do islamismo (Figura 1). Com a criação do califado e proliferação dos emirados na Península Arábia, Oriente Médio e Pérsia, não seria novidade que membros destes povos, convertidos ao islamismo, começassem a serem influentes neste comércio. Mas o islamismo é diferente. O islamismo pode vir para comerciar, mas vem também para se estabelecer, influenciar e conquistar. O islamismo existe para governar, e não para ser governado.
Em algum momento, durante o século XIV, mercadores árabes muçulmanos, ou muçulmanos arabizados, estabeleceram um entreposto comercial na ponta mais setentrional da ilha de Sumatra, em Pasai (Pacém). Pasai era um próspero reino portuário na costa norte de Sumatra nos séculos XIII a XV. A riqueza de Pasai atraiu, então, mais mercadores muçulmanos que, com o passar do tempo, se casaram com mulheres locais para criar uma comunidade muçulmana que era meio árabe e meio indonésia, pois os filhos desses casamentos eram criados como muçulmanos (jihad demográfica).
Como mencionado por Ricklefs (2001), esses comerciantes e imigrantes muçulmanos não eram conquistadores. Eles desejavam esposas, e que elas e seus filhos fossem muçulmanos. Guerras contra os descrentes no interior das ilhas apenas ocorreram depois que vilas portuárias se tornaram centros do islamismo.
Nesta época, o outrora poderoso império Serivijaia estava nos últimos suspiros e não passava de um enclave ao sul de Sumatra. Seu último rei, Paramiçura, teve que fugir para Temasek (atual Cingapura), e de lá para as proximidades da estratégica cidade-porto de Malaca, devido aos seus conflitos com o império Majapait e contra o Sião. Lá, já velho e derrotado, ele pediu proteção aos muçulmanos, e se apaixonou por uma jovem princesa de Pasai, uma muçulmana. Para se casar com ela, ele renegou sua fé hindu e abraçou o islamismo, tornando-se o primeiro sultão de Malaca, Sultão Iskandar Xá. A sua nova rainha muçulmana também encorajou seus súditos a abraçar o islamismo, e foi assim que a cidade-porto de Malaca caiu de mão beijada na mão dos muçulmanos e se tornou um sultanato. O primeiro sultanato da Malásia.
A Figura 2 mostra uma linha de tempo deste evento. Mais detalhes são narrados em Jihad! A Conquista da Indonésia.
O sultanato de Malaca expandiu-se, tornando-se o centro de propagação do islamismo na região, e, de lá, missionários muçulmanos eram enviados pelos sucessivos sultões de Malaca para difundir o islamismo nas comunidades hindu e budista nas diversas ílhas do arquipélago, visando o estabelecimento de novos sultanatos e para fazerem jihad armada contra a população no interior das ilhas. Os sultanatos seguiam a lei islâmica. Pronto. Estava feito o estrago.
Em 1511, os portugueses conquistaram o porto de Malaca. Mas o sultanato ainda sobreviveu. O sultão de Malaca fez uma aliança com o Sultanato de Demak (na ilha de Java), e declarou uma jihad contra os portugueses para tentar reconquistar a cidade. Os jihadistas tentaram quatro vezes, e foram derrotados nas quatro. Em 1528, o Sultanato de Malaca foi dividido em dois estados independentes, o Sultanato de Johor e o Sultanato de Perak, ambos na península malaia. Ambos existiram, de um modo ou de outro, até os meados do século XIX, quando passaram a ser governados pelo Império Britânico. Após a segunda guerra mundial, a Malásia ganhou sua independência, inicialmente apenas a ponta sul da península malaia, e, em 1963, a porção noroeste de Bornéu se juntou à Malásia.
O surgimento do sultanato de Malaca quebrou um paradigma de convivência na Península Malaia, ocupando uma região governada por reinos hindu-budistas por séculos. O sultanato de Malaca, e poseriormente os sultanatos de Johor e Perak, contestavam a soberania do norte da península, se antagonizando ao reino hindu-budista Aiutaia (no antigo Sião, na atual Tailândia). Um Islã ressurgente e agressivo serviu como um símbolo de solidariedade malaia contra os tailandeses e, por um tempo, parecia que os tailandeses também teriam que se submeter ao Islã. Mas a partir do século XVII sucessivos reis tailandeses aliaram-se às potências marítimas ocidentais – portugueses, espanhóis e holandeses, e conseguiram afastar a ameaça do Islã, encampada pelos malaios muçulmanos e seus senhores árabes. A luta tem sido árdua desde então.
Em 1641, a cidade-porto de Malaca foi conquistada pelos holandeses. Isso foi importante por ter mantido o fluxo comercial no Estreito de Malaca pelos séculos seguintes, mas também por oferecer, aos tailandeses, aliados na sua defesa contra a contínua jihad islâmica originária dos sultanatos de Malaca, Johor e Perak. Portugueses, holandeses e espanhóis serviram de aliados aos tailandeses, salvando-os da ameaça de conquista muçulmana que pairava sobre a Tailândia nos séculos XVI, XVII e XVIII. Os muçulmanos chegaram perto de conquistar a Tailândia quando, em um conflito com Burma, a capital do reino de Aiutaia foi ocupada pelos burmeses, forçando os tailandeses a relocarem a sua capital para Bangkok, situada mais ao sul, e continuaram lutando a invasão birmanesa, vinda do norte, e as incursões muçulmanas vindas do sul. Ao repor o fôlego, os tailandeses conseguiram reconquistar território perdido para o sultanato Patani, em 1786. Guarde este nome, Patani, pois iremos usá-lo novamente.
A chegada dos britânicos no século XIX deu um fim definitivo às pretensões dos sultanatos muçulmanos que sucederam o Sultanato de Malaca, até a jihad ressurgir na segunda metade do século XX.
O radicalismo islâmico da Malásia dos dias de hoje
Era de se esperar que após décadas de governo britânico, a Malásia seria um país que abraçasse as diversas etnias que vivem nele e se torna-se em uma democracia pluralista. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece. A crescente islamização na Malásia é motivo de preocupação para muitos malaios que seguem religiões minoritárias como hinduísmo, budismo, e de outras etnias, como originários da China.
Do ponto de vista legal, a lei comum é administrada ao nível do governo federal, e a lei islâmica Sharia é administrada ao nível dos governos estaduais. A aplicação da Sharia varia de estado para estado, mas existe um projeto que visa homogenizar a sua aplicação, tornando-a igual em todo o país. Mas, claro, misturar lei comum com lei islâmica acaba servindo apenas como fumaça para encobrir a supremacia da Sharia.
A constituição da Malásia, no seu Artigo 3 (página 20), diz que “o islamismo é a religião da Malásia. A constituição também diz (Artigo , página ) que “outras religiões podem ser praticadas em paz e harmonia” (mas, quem define o que é paz e harmonia, a Sharia?). O Artigo 11 (página 25) diz que “todas as pessoas têm o direito de professar e praticar a sua religião, e, sujeito a cláusula 4, propagá-la.” A cláusula 4 (página 26) especifica que lei federal “controla ou restringe a propagação de qualquer doutrina religiosa entre as pessoas que professem a fé islâmica.” A impressão de que existe liberdade religiosa é ilusória.
Iremos listar abaixo alguns outros aspectos legais e diversos fatos alarmantes.
- Artigo 5 da Constituição (página 22) institucionaliza tribunais para impor a Sharia.
- Todas as pessoas são iguais perante a lei e não existirá discriminação baseado em religião, exceto quando autorizado pela constituição (Artigo 8, página 23).
- Como já vimos, adeptos de outras religiões não podem propagá-la para muçulmanos.
- O Estado é responsável em “estabelecer ou manter instituições islâmicas” e prover educação islâmica incorrendo em tais despesas (Artigo 12, cláusula 2, página 26).
- Leis tanto federais quanto islâmicas têm sido aplicadas para assediar e discriminar contra xiitas e ahmadis. Um governo passado chegou banir estes ramos do islamismo sob o pretexto de defender a santidade do islamismo contra interpretações desviantes (DFAT, página 27 e 29).
- Os cristãos ex-muçulmanos são forçados a esconder sua fé de familiares, amigos e colegas. O cristianismo é retratado por alguns partidos políticos malaios/muçulmanos, como o PAS, como uma ameaça ao islamismo (DFAT, página 29).
- Existe um padrão de destruição de templos hindus e budistas por várias décadas, algo que continua até o presente (DFAT, página 29). De acordo com um advogado do HINDRAF, um templo hindu é demolido a cada três semanas.
- É extremamente difícil para um muçulmano deixar a fé islâmica. Apesar do Artigo 11 da constituição, as cortes civis remetem os casos para os tribunais islâmicos. Em alguns estados, a apostasia é um crime punível com multa, prisão ou açoite (DFAT, página 31).
- O Departamento Federal de Desenvolvimento do Islã possui centros de “reabilitação” que ensinam e aplicam práticas islâmicas aprovadas pelo governo .
- O caso histórico de Lina Joy, uma muçulmana que se converteu ao cristianismo para se casar com um cristão em 1998, demonstrou os impedimentos à conversão do islamismo. O tribunal federal decidiu em 2007 que ela era legalmente muçulmana e seu status religioso não podia ser removido de sua carteira de identidade nacional, pois “uma pessoa não pode, por capricho e fantasia, renunciar ou abraçar uma religião”. Ela foi, portanto, incapaz de se casar com seu parceiro cristão (DFAT, página 32).
- Os governos estaduais não reconhecem casamentos entre muçulmanos e não-muçulmanos, e os filhos nascidos de tais casamentos são considerados ilegítimos (DFAT, página 31).
- Mutilação da genitália feminina é obrigatória para mulheres e meninas muçulmanas, e o ministério da saúde possui regulamentos para sua execução pelo sistema de saúde (DFAT, página 45).
- Homossexualidade é crime com pena de prisão entre cinco e vinte anos, além de açoitamento (DFAT, página 45).
- Pessoas podem se ver em apuros por simples denúncias de ter falado mal do islamismo, existindo unidades do governo específicas parar tratar de acusãoes de blasfêmia.
- Muçulmanas que não usam hijab são assediadas até mesmo pelas autoridades. Em um caso recente, a ativista Maryam Lee foi investigada por “insultar o islamismo.” Seu crime, não usar o hijab.
A islamização da Malásia também traz consigo o perigo de apagar a história, sendo que até mesmo as Nações Unidas mostrou preocupação pelas tentativas de se tentar apagar a história da Malásia antes da chegada do islamismo.
A jihad contra a Tailândia nos dias de hoje
Bernard Lewis, famoso historiador especialista no islamismo, disse certa vez que “as fronteiras entre o mundo islâmico (a Casa do Islã) e o mundo descrente (a Casa da Guerra) são sempre sangrentas.” O que acontece no sul da Tailândia é um exemplo moderno disso.
A Figura 3 mostra a região fronteiriça entre a Tailândia e a Malásia. Repare província tailandesa indicada pelo número 3. Ela se chama Patani. A região fronteiriça entre a Tailândia e a Malásia é a região ocupada pelo sultanato Patani. Conforme mencionado acima, em 1786, a Tailândia reconquistou este seu território histórico. Mas, o conflito não terminaria. Os muçulmanos convertidos nunca se reconciliaram com a reconquista de Patani pelos tailandeses e continuaram a aterrorizar a população budista de forma intermitente ao longo dos séculos XVIII e XIX. Nos séculos XX e XXI, essa rebelião assumiu a forma de uma insurgência. E, até hoje, há incidentes terroristas em Patani, nos quais inocentes, sejam estudantes, professores e monges budistas são rotineiramente assassinados.
Um resumo do que vem ocorrento desde o final da segunda guerra mundial é apresentado a seguir.
Em 1947, surgiu um Movimento Popular Patani, que lançou uma campanha de petição, exigindo autonomia, idioma e direitos culturais, e implementação da lei islâmica. Eles não aceitavam serem governados pela lei civil tailandesa. A partir de 1959, começaram a surgir grupos rebeldes malaios, tais como a Frente de Libertação Nacional Patani (BNPP), e a Organização Unida de Libertação Patani (PULO), com ênfase na luta armada buscando um estado islâmico independente. O final do século 20 viu o surgimento de novos grupos insurgentes, usando da violência para atingir seus objetivos, estabelecendo um padrão de ataque a postos policiais e militares, bem como a escolas e escritórios do governo tailandês. O século 21 viu o surgimento de novos grupos jihadistas, tais como o Comitê Islâmico Narathiwat, Movimento Mujahideen Islâmico Pattani (BRN-C), a Frente Revolucionária Nacional (BRN) e as Pequenas Unidades de Patrulha (RKK). Estes grupos são de vertente sunita salafista, bem treinados e implacáveis. Os alvos destes grupos incluem não apenas forças militares e policiais tailandesas, mas também alvos civis, tais como ônibus, trens, restaurantes, hoteis e comércio, sejam através de bombas ou simples fuzilamento de inocentes que eles considerem descrentes.
Este link oferece uma cronologia de eventos relacionados à jihad no sul da Tailândia.
Referências
- Sophie Lemiere (2007). Apostasy & Islamic Civil society in Malaysia, ISIM Review, Vol. 20, Autumn 2007, pp. 46–47
- Ricklefs, M.C. 2001. A History of Modern Indonesia since c.1300. 3rd Edition, Stanford University Press. ISBN 0-333-57690-X
- Daniels, T. P., Sears, L. J., Keyes, C. F., & Rafael, V. (2017). Living Sharia: Law and Practice in Malaysia. University of Washington Press.
- Department of Foreign Affairs [DFAT] Australian Government Country Information Report Report (2021).
- Human Rights Watch. Malaysia 2020 Report.
- Human Rights Watch (2007). A Brief History of Insurgency in the Southern Border Provinces.
- International Commission of Jurists ‘Challenges to Freedom of Religion or Belief in Malaysia 2019 Briefing Paper.
- Kessler, C. S., Hooker, V. M., & Norani Othman. (2003). Malaysia : Islam, society and politics . Institute of Southeast Asian Studies.
- Lau, A. (2018). Forgiveness as singularity: The “Allah” controversy in Malaysia and the church’s public discourse of cheek‐turning. Dialogue: a Journal of Theology, 57(1), 40–46. https://doi.org/10.1111/dial.12376.
- Malaysia 2010 Census.
- Malaysian Federal Constitution.
- Malaysian Penal code.
- United Nations 2019 Report: https://documents-dds-ny.un.org/doc/U….
- US Department of State. 2020 Report on International Religious Freedom: Malaysia.
- History of Jihad: Malaysia.
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