Ontem faleceu Madeleine Albright, a primeira mulher secretária de estado dos EUA (secretaria de estado equivale a ministro das relações exteriores), nomeada pelo presidente Bill Clinton, e responsável pelo bombardeio da Sérvia.
Madeleine Albright (nome de nascimento: Marie Jana Korbelová) é uma figura histórica para os sérvios. Ela nasceu em Praga, na então Tchecoslováquia em 1937. De origem judia, sua família fugiu da Tchecoslováquia para evitar o avanço nazista. Eles foram abrigados na casa de uma família sérvia, em Belgrado, na Iugoslávia, onde receberam refúgio e proteção dos sérvios. Muitos de seus parentes judeus na Tchecoslováquia foram mortos no Holocausto, incluindo três de seus avós. (fonte e vídeo), ou seja, os sérvios salvaram a sua vida. A menina aprendeu sérvio, cresceu, mudou-se para os Estados Unidos, tornou-se Secretária de Estado e, o mais irônico nisso tudo, ela foi a principal personagem a promover o bombardeio da Sérvia.
A Iugoslávia era um país formado por diversos povos eslavos, mais notadamente sérvios e croatas, existindo também uma minoria muçulmana. Com o colapso da União Soviética no começo da década de 1990, os países da Cortina de Ferro se tornaram independentes do comunismo imposto sobre eles por aproximadamente 50 anos. A integridade territorial destes países se manteve, exceto da Tchecoslováquia que se dividiu de forma pacífica em dois países, a República Tcheca e a Eslováquia, como alguns dizem, um divórcio amigável. Mas o mesmo não aconteceu com a Iugoslávia. Os líderes na sua capital, em Belgrado, desejavam manter a integridade territorial da Iugoslávia. Mas, em 1992, instigados por países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), líderes da Eslovênia e da Croácia declararam a independência, criando assim esses países, logo seguidos pela Bósnia. A reação do poder central em Belgrado foi política e militar e conflitos ocorreram até que um acordo foi assinado em 1995, o chamado Acordo de Dayton. Este acordo criou um país soberano chamado de Bósnia e Herzegovina, formada pela Federação Bósnio-Croata, controlada por bósnios muçulmanos e bósnios croatas, e pela Republika Srpska (República Sérvia da Bósnia) controlada por bosnios sérvios.
Mas o pior estava para vir com a questão da província sérvia do Kosovo. Desde o século XIV até os dias atuais, o território de Kosovo e Metohija foi, e sempre será, o coração espiritual da nação ortodoxa sérvia. Kosovo era uma província autônoma da Sérvia na Iugoslávia. Ondas de imigrantes albaneses (muçulmanos) levaram ao crescimento do nacionalismo albanês na década de 1980, o que levou a tumultos e apelos à independência do Kosovo. Isso levou o governo sérvio a alterar a constituição, em 1989, revogando o status autônomo de Kosovo. Os líderes albaneses de Kosovo responderam em 1991 organizando um referendo declarando Kosovo independente. Surge, então, o KLA, o Kosovo Liberation Army (O KLA, inicialmente considerado como organização terrorista pelos EUA, tornou-se aliado da OTAN). É difícil afirmar quem começou com a violência em Kosovo. A Sérvia empreendeu medidas repressivas contra os albaneses kosovares na década de 1990, provocando uma insurgência albanesa kosovar? Ou a insurgência kosovar obrigou a Sérvia a empreender medias repressivas? O fato é que Kosovo se tornou um caldeirão da jihad islâmica na Europa, algo que continua até os dias de hoje (JW, Sputnik, NYTimes, USIP, Yahoo, DW). Voltando a 1999, as populações sérvias e kosovares acabaram sendo jogadas em lados diferentes e atrocidades ocorreram, criando-se um conflito étnico e religioso entre albaneses muçulmanos e sérvios ortodoxos.
Os Estados Unidos, quem controla a OTAN de fato, tomou o lado dos muçulmanos e resolveu atacar a Sérvia sob a alegação de estar promovendo uma “ação humanitária.”
Em 24 de março de 1999, o presidente Clinton e a secretária de Estado Madeline Albright decidiram usar a força militar para impedir a tentativa da Sérvia de manter a parte sul de seu país, Kosovo. Os ataques ocorreram de 24 de março até 10 de junho. Estes ataques foram conhecidos como “Operação Anjo Misericordioso” ou dentro do Departamento de Estado dos EUA como “Guerra de Albright.” Segundo todos os relatos, foi Madeleine Albright quem convenceu Clinton, contra o melhor julgamento do Pentágono, de que o líder sérvio recuaria após um pequeno bombardeio leve, algo como um “soco no nariz”. Mas o que aconteceu foi algo mais parecido a um esquartejamento.
A OTAN bombardeou toda a Sérvia, não apenas a capital Belgrado. Destruíram muita infraestrutura, hospitais, escolas, pré-escolas, prédios da TV estatal (RTS), pontes, fábricas, refinarias de petróleo e muitos prédios por todo o país. Tudo o que a OTAN afirmava ser “alvo legítimo.” Até a Embaixada da China foi completamente destruída, com pessoas dentro. A grande imprensa da época justificou o ataque alegando que a OTAN tinha um mapa de Belgrado.
Mais de 3.000 pessoas foram mortas e mais de 5.000 feridas durante os 78 dias de bombardeio. As bombas eram lançadas contra alvos na Sérvia acima de 6.000 metros de altitude a fim de evitar fogo da artilharia antiaérea sérvia. A OTAN usou bombas com urânio empobrecido para uma melhor penetração destrutiva aos seus alvos no solo. As consequências do urânio empobrecido foram o aumento de leucemia e câncer em toda a região. Até mesmo o batalhão de paz italiano que serviu na província sérvia de Kosovo e Metohija após a campanha de bombardeio da OTAN foi afetado. A OTAN também usou as chamadas bombas de fragmentação, sendo que as baixas civis foram principalmente causadas por desse tipo de armamento internacionalmente proibido.
A campanha da OTAN nunca foi discutida, e muito menos aprovada, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas isso não impediu que a mais poderosas potências militares membros da OTAN bombardeassem a Sérvia, que nunca cruzou nenhuma fronteira nacional, e, nunca atacou qualquer país membro da OTAN.
Essa ação “humanitária” de OTAN permitiu que novos países fossem criados a partir da antiga Iugoslávia, sendo que a maioria destes novos países passaram a fazer parte da OTAN, ao mesmo tempo que enfraqueceu a Sérvia, exatamente o que restou da Iugoslávia. Enfraquecer a Sérvia significa enfraquecer a Rússia, já que sérvios e russos são aliados históricos. A pergunta que parece não ter resposta é: por que a Rússia não foi autorizada a ingressar na OTAN quando ela pediu?
Esta intervenção militar da OTAN definiu uma nova ação geopolítica a ser seguida pelos EUA. Os EUA abandonaram a bem-sucedida Política Kennan de contenção, usada durante a Guerra Fria, substituindo-a pela Doutrina Wolfowitz de dominação mundial, logo após o colapso da União Soviética.
Uma informação interessante para fechar este artigo. Tanto o líder da Sérvia, Slobodan Milosevich, quanto o líder do KLA e presidente do Kosovo, Hashim Thaci, cometeram atrocidades julgadas pelo Tribunal Internacional de Haia.
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