Do mesmo modo que a maioria esmagadora dos países que tem maioria islâmica hoje em dia, os uígures da província chinesa de Xinjiang foram convertidos após conquista e subjugação.
Tem existido esta polêmica quando a “campos de re-educação” para onde milhares de muçulmanos chineses da etnia uígure têm sido levado. Países ocidentais acusam a China de tratamento desumano ao passo que países islâmicos concordam com o que a China está fazendo.
Agora, a China publicou um documento (Material Histórico Relacionado a Xinjiang) no qual ela defende que Xinjiang sempre foi chinês (melhor dizendo, sempre esteve dentro da esfera de influência das dinastias chinesas). Este documento afirma ainda que:
No final do século IX e início do século X, o Canato Caracânida [Kara-Khanid] aceitou o Islã. Ele começou uma guerra religiosa de 40 anos em meados do século 10 contra o reino budista de Hotan [Khotan], e conquistou-o no início do século XI e impôs o Islã, colocando um fim à história de mil anos do budismo naquela região. Com a expansão do Islão, o zoroastrianism, o maquienísmo, e o cristianismo nestoriano declinaram. Em meados do século XIV, os governantes do Canato de Chagatai Oriental (1348-1509) espalharam o Islã para o extremo norte da bacia de Tarim, a bacia do Turpan e Hami através da guerra e da coação. No início do século XVI, muitas religiões haviam coexistido em Xinjiang, com o Islã, o zoroastrismo, o maniqueísmo e o cristianismo nestoriano foram extintos, e o budismo e o taoísmo sobrevivendo. A convivência continuou até hoje na região. No início do século XVII, os mongóis Oirat aceitaram o budismo tibetano. Começando no século XVIII, o protestantismo, o catolicismo e a Igreja Ortodoxa Oriental chegaram a Xinjiang
A introdução do Islão em Xinjiang está relacionada a emergência do Império árabe e à expansão do Islã para o leste. A conversão Uighur para o Islã não foi uma escolha voluntária feita pelo povo comum, mas o resultado de guerras religiosas e imposição pela classe dominante, embora este fato não prejudique o nosso respeito pelo direito dos muçulmanos às suas crenças. O Islã não é nem um indígena nem o único sistema de crenças do povo Uigur.
Para verificar se as afirmações contidas neste documento estão corretas, consultamos a obra História das Civilizações da Ásia Central, publicada pela UNESCO. A parte da história que nos interessa é tratado nos volume IV e V.
Os uígures são um povo turcomano e mongolóide das estepes centrais da Ásia que migraram para a região atual de Xinjiang, na China. Xinjiang é uma área com montanhas na sua fronteira norte e oeste e um grande deserto à leste. Ela fazia parte da famosa Rota da Seda o que definiu desde cedo sua ligação comercial e cultural permanente com as diversas dinastias chinesas. A partir do século XIX, europeus começaram a chamar a região de Turquistão Chinês, para distinguir do Turquistão Russo (Britânica).
As religiões na Ásia Central eram o budismo, cristianismo (nestorianismo, jacobitas e melquitas), zoroastrianismo e maniqueísmo. As invasões árabes começaram a alterar isso com a propagação do islamismo pela guerra, conquista e pilhagem, a partir do século VII. Os árabes chegaram perto mas não conquistaram Xinjiang, já que os uigures resistiram a invasão árabe. Relatos de históriadores muçulmanos, no 1062, mencionam o envio de embaixadores para lugares tão longínquos como os uígures de Kocho (página 28, 73 e 108, volume IV, parte 1).
A resistência dos uígures à expansão islâmica tem seus motivos. Durante muito tempo eles formaram um canato (ou seja, eram liderados por um Cã). Do século IX até o século XIII eles se organizaram no Reino de Koncho (em chinês, Gaochang). Ao sul, mas ainda dentro da região de Xinjiang, surgiu um outro reino, o Reino de Hotan (Khotan), também budista.
Específicamente em Xinjiang, em termos religiosos e culturais, havia um grande número de religiosos maniqueísta, cristãos e budistas. Obras foram traduzidas para o idioma uígur, que eram também amplamente utilizada na vida cotidiana, que foi fortemente influenciada pela cultura chinesa. Tão cedo quanto o tempo do Canato Uígur na Mongólia, em 762, o maniqueísmo foi aceito pela nobreza uígur. O cristianismo nestorian também tinha seguidores entre os uígures. A religião que se espalhou mais extensamente entre os uígures, entretanto, foi o budismo. Sob a influência dos habitantes originais, os uígures gradualmente se converteram para essa religião e um grande número de clássicos budistas foram traduzidos em para o uígur. Por causa de sua conversão ao budismo, a nobreza uígure e até mesmo as pessoas comuns levaram à construção de templos, fazendo estátuas, pintando afrescos e copiando sutras como uma espécie de ação caridosa e piedosa (página 210, volume IV, parte 1).
Havia uma boa relação com os chineses no leste. Mas o mesmo não podia ser dito para a fronteira oeste, onde existia uma relação muito tensa com os turcomanos caracânidas ( em inglês, karakhanids). Apesar de ambos serem turcomanos, os uígures eram majoritáriamente budistas ao passo que os caracânidas eram muçulmanos (página 208, volume IV, parte 1). Claro que haviam conflitos, pois como apropriadamente mencionado por Samuel Huntington, “as fronteiras do mundo islâmico são sempre sanguentas”. Ou seja, a jihad é eterna.
A primeira incursão e conquista islâmica ocorreu sobre o Reino de Hotan. Na terceira década do século X, em 934, o líder caracânida Satuq Bughra Cã, se converteu ao Islã e adotou o título de Sultão (soberano, mas um grau abaixo de um califa). Satuq Bughra Khan, e mais tarde seu filho Musa, dirigiu esforços para propagar o Islã entre os turcos. Eles empunharam a bandeira da Jihad e se envolveram em conquistas militares, incluindo uma longa guerra contra o reino budista de Hotan. Foram 80 anos de jihad até que no ano 1006, o Reino Budista de Hotan foi finalmente destruído. Para comemorar a vitória, o afamado e erudito escritor muçulmano Mahmud al-Kashgari escreveu um poema (Hansen, 2012):
Nós descemos sobre eles como uma enchente,
Nós fomos entre suas cidades,
Nós quebramos os templos dos ídolos,
Nós cagamos na cabeça de Buda!
(Agora, me diga, qual a diferença entre este escritor, o Talebã e o Estado Islâmico? … não estariam eles seguindo o exemplo de Maomé?)
Os budistas, desesperados pela queda de Hotan e o aniquilamento do Budismo, esconderam manuscritos em uma caverna das Grutas Mogao (manuscritos de Dunhuang).
No século XIII, o Reino de Koncho se submeteu voluntáriamente a Gengis Cã, o fundador do império mongol. Por este modo, o reino foi bem tratado e suas fronteiras mantidas. Mas no final do século XIII, o reino foi incorporado no Canato de Chagatai, o segundo filho de Gengis Cã (página 208, volume IV, parte 1). A consequência da inclusão de Xinjiang no Canato de Chagatai, é que esta região ficou ligada à Ásia Central. Teria sido melhor, para a preservação do budismo e das outras religiões e culturas, se Xinjiang tivesse sido incorporada à dinastia Yuan, de Cublai Cã.
A segunda grande conversão dos uígures se deu a partir do século XVII. Afaq Khoja, um líder muçulmano baseado na região do outrora reino de Hotan, e que acreditava ser descendente do profeta islâmico Maomé, se alinhou ao Canato de Zungária (em inglês, Dzungar), que se extendia desde as muralhas da China até o atual Cazaquistão, incluindo Xinjiang. Afaq Khoja foi feito líder em Xinjiang e vassalo da Zungária, podendo impor deste modo a Sharia em substituição à lei yassa (dos mongóis). Os descendentes de Afaq Khoja, os Khojas, continuaram governando Xinjiang até a reconquista pela dinastia Qing, no século XVIII. Mas o estrago causado pela jihad islâmica já estava feito.
Atualmente, Xinjiang é o lar de diversos grupos étnicos, incluindo os uígures, han, cazacos, tibetanos, hui, mongóis, russos e xibes. A população de Xinjiang é de 24 milhões, sendo os uígures e os han os grupos predominantes (aproximadamente 40% cada um). Nem todos os uígures são muçulmanos.
Então, lembre-se. A exemplo do Afeganistão e Ásia Central, Xinjiang era predominantemente budista. Aí, vieram os muçulmanos, que quebraram os ídolos e cagaram na cabeça de Buda.
Valerie Hansen (2015). The Silk Road: A New History. Oxford University Press.
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