É comum ouvir muçulmanos e apologistas dizendo que o islamismo é feminista, que ele defende as mulheres, e que, do ponto-de-vista histórico, ele representou um avanço para as mulheres. Demonstrar que o islamimo não é feminista é fácil, basta consultar o que a lei islâmica define como direito das mulheres. Com respeito a um possível avanço para as mulheres da arábia, o artigo transcrito abaixo apresenta evidências que isto não é o caso. O islamismo têm sido ruim para as mulheres desde a sua invenção, no século VII, até os dias de hoje.
(Leia neste link uma lista com exemplos de como as mulheres não muçulmanas viviam sem o islamismo, antes e depois da sua invenção).
Mulheres árabes antes e depois do Islã: abrindo a porta da história árabe pré-islâmica
Artigo de S. B. Zaki, publicado em 9 de maio de 2016, no Arab Humanists
“A civilização islâmica desenvolveu uma narrativa da história que rotulou o período pré-islâmico de “Idade da Ignorância” e projetou o Islã como a única fonte de tudo o que é civilizado – e usou essa narrativa de forma tão eficaz ao reescrever a história que os povos do Oriente Médio perderam todo o conhecimento das civilizações passadas da região. Obviamente, essa narrativa tem sido ideologicamente útil, ocultando com sucesso, entre outras coisas, o fato de que, em algumas culturas do Oriente Médio, as mulheres haviam sido consideravelmente melhores antes do surgimento do Islã do que depois dele” (Ahmed, 1992, p.37).
Na citação fornecida acima, Leila Ahmed, uma erudita em Islã, da Divinity School de Harvard, destaca as razões para a versão filtrada da história das mulheres da Arábia pré-islâmica. Se você fizer uma busca no Google sobre ‘Situação das Mulheres no Islã’, sem surpresa você verá milhões de resultados. Uma tarefa mais difícil é descobrir como as mulheres têm sido discutidas na literatura islâmica ao longo dos últimos 14 séculos (discussão feita por homens, para ser preciso). Um padrão emerge. As palavras “Situação das Mulheres no Islã” não aparecem até o início do século XX. Antes disso, os estudiosos islâmicos escreveram sobre os “Deveres de uma mulher muçulmana” ou “Papéis das mulheres muçulmanas.”
Esses primeiros estudiosos, escritores e historiadores, no entanto, muitas vezes mostram através de exemplos históricos que as mulheres muçulmanas não devem agir como as mulheres do “tempo pré-islâmico” (era pré-islâmica da ignorância). Por exemplo, quando alguns anos após a morte do Profeta Maomé, uma jovem muçulmana começou a dormir com seu escravo, afirmando que “eu pensei que a posse pela mão direita tornava lícito para mim o mesmo que era lícito para os homens”, Umar Ibn Khattab, que julgou a ‘matéria’, repreendeu-a severamente e anunciou que ela havia agido “na ignorância” (isto é, como faziam as mulheres no tempo pré-islâmico) e deliberadamente interpretou mal a mensagem do Alcorão. Em outras palavras, o Alcorão não torna lícito às mulheres o que ele torna lícito aos homens. Seus direitos não são os mesmos. Ele então a proibiu de se casar com um homem livre (Musannaf de ‘Abd al-Razzaq al-Sanani em Ali, 2010). Este incidente foi registrado e usado por estudiosos primitivos para mostrar que mulheres pré-islâmicas estavam erradas em exercer sua independência e liberdade sexual e que o modelo islâmico patriarcal de casamento e sexo era lícito e superior.
Avançando rapidamente cerca de onze séculos, muitas partes do mundo que foram colonizadas por muçulmanos (que moldaram as narrativas muçulmanas sobre as mulheres no Islã nesses séculos) estavam sendo colonizadas por europeus que desprezavam os muçulmanos pelo seu atraso e reclusão de mulheres. Esta foi uma época em que os estudiosos muçulmanos tiveram que mostrar urgentemente ao mundo que o Islã realmente “elevava o status das mulheres”. Houve uma mudança de um tom erudito mais autoritário e pomposo discutindo mulheres muçulmanas como as de Al Ghazali, que ditavam às mulheres muçulmanas como elas deveriam se comportar e obedecer a seus maridos e o tom mais acusador dos estudiosos posteriores que deram desculpas para o tratamento das mulheres pelo islã, alegando que as mulheres do período pré-islâmico eram “meros bens móveis” e o Alcorão foi revelado para uma mulher muçulmana para “resgata-la da sombria injustiça da escuridão pré-islâmica” [1].
Essas últimas narrativas politicamente moldadas são aquelas que ainda estamos lendo e usando. Para mostrar que o Islã melhorou as vidas das mulheres muçulmanas, uma história paralela das mulheres no tempo pré-islamico teve que ser forjada, no qual as mulheres “eram tratadas como escravas ou propriedade. O seu consentimento pessoal em relação a qualquer coisa relacionada com o seu bem-estar foi considerado sem importância e desnecessário a tal ponto que elas nunca foram tratados como uma parte de um contrato de casamento. Não tinham independência, não podiam possuir propriedades e não podiam herdar. Em tempos de guerra, as mulheres eram tratadas como parte do saque. Simplificando, sua situação era indizível … A prática de matar crianças do sexo feminino era desenfreada. Os árabes pagãos costumavam enterrar vivas suas filhas com o medo de que essas meninas crescessem e se casassem com alguns homens que serão chamados seus genros” [2].
Essas narrativas não apenas abrangiam a “situação das mulheres” na Arábia antes do Islã, mas eram usadas para justificar as invasões das terras vizinhas pelos muçulmanos, estendendo-as a “todas as nações do mundo” o que exigia que a nova lei islâmica fosse aceita como o sistema mais justo pois o “advento do Islã trouxe profundas mudanças à sociedade árabe em geral e às mulheres em particular”. Ao fazer isso, essas histórias muçulmanas fazem exatamente o que os políticos de guerra contemporâneos fazem – justificam sua missão afirmando que “O Islã libertou as mulheres” [5].
História das mulheres árabes pré-islâmicas
Mais recentemente, várias mulheres muçulmanas começaram a pesquisar a vida das mulheres na Arábia pré-islâmica. Isto não é uma tarefa fácil, pois quando os muçulmanos se espalharam de Medina, eles destruíram categoricamente os velhos modos de vida: templos, poesia pagã escrita em peles de animais, ídolos de deuses e deusas, etc, e a história islâmica praticamente não tem registros escritos por mulheres. O pouco que sabemos são relatos de textos islâmicos, que são narrados para estabelecer a nova ordem, e alguns achados arqueológicos. O resultado é que temos panfletos, links na web e livros que pregam às mulheres que “o Islã realmente liberou as mulheres”, enquanto que não existe justificativa para a existência de mulheres como Khadija bint Khuwalid, Hind bint Utbah, Asma Bint Marwan, Lubna bint Hajar, Arwa Umm Jamil, entre outras, se a condição geral das mulheres árabes não fosse mais do que as de mera propriedade.
Lendo todas as fontes agora disponíveis, pode-se ver que, na ausência de uma única lei antes do Islã, as vidas de homens e mulheres na Arábia dependiam de qual tribo eles pertenciam. O Islã estabeleceu uma lei abrangente e, enquanto algumas mulheres podem ter desfrutado de mais direitos sob a lei islâmica, é certamente verdade que os direitos das outras foram severamente reduzidos. O quadro resultante que surge é o de uma forma profundamente patriarcal de lei religiosa, em vez de uma que poderia ter sido mais equilibrada, justa e igual. Como Leila Ahmed nos escreve em seu livro (1991, p.66):
“Que as mulheres sentiram que o Islã era uma religião um tanto deprimente é sugerido por uma observação da bisneta de Maomé, Sukaina, que, quando perguntada por que ela era tão alegre e sua irmã Fátima tão solene, respondeu que era porque ela tinha sido recebido o nome de sua bisavó pré-islâmica, enquanto sua irmã recebeu o nome de sua avó islâmica.”
Além disso, pode-se argumentar que o “status” de todas as mulheres no Islã também não é igual. A jurisprudência islâmica suporta o classismo e o Alcorão diferencia as mulheres livres e escravizadas, como se verá a seguir.
Existem várias maneiras pelas quais o Islã poderia ter estabelecido uma igualdade de gênero com base na prática já disponível no tempo pré-islâmico. Que as mulheres no período pré-islâmico estavam acostumadas a serem tratadas como iguais para com os homens pode ser inferido pelo comentário feisty de Hind bint Utbah a Maomé, quando ele pediu a ela para fazer um juramento de fidelidade diferente para as mulheres, dizendo “Por Deus, você pede para nós, mulheres, algo que você não pede aos homens. Em todo caso, nós vamos conceder isso a você!” [6]. Os estudiosos muçulmanos ressaltam que algumas “mulheres ilustres se converteram ao Islã antes de seus maridos, uma demonstração do reconhecimento do Islã de sua capacidade de ação independente.” No entanto, o que isso demonstra é a independência das mulheres pré-islâmicas que nunca teriam sido capazes de se converter independentemente, sem os seus parentes do sexo masculino, caso a sua situação de independência já não estivesse estabelecida.
Casamento
Hoyland fornece vários exemplos para ilustrar que, embora a lei islâmica estabeleça “descendência através da linha masculina”, a Arábia pré-islâmica também reconhecia “arranjos matrilineares” que permitiram às mulheres escolher com quem queriam casar e ter filhos (2003, p.129- 131). Os muçulmanos afirmam que “o Islã deu às mulheres o direito de escolher seu marido”, mas há casos em que as meninas muçulmanas foram casadas por seus pais ou guardiões, exemplos dos quais incluem: Aisha, sendo casada com Maomé como uma criança (presumivelmente sem seu conhecimento), Al-Musayyab ibn Najaba dando a mão de sua filha recém-nascida em casamento ao filho de seu primo, Maomé arrumando o casamento de sua prima, Zainab bint Jahsh (aparentemente contra sua vontade, o que provocou a revelação de 33:36, veja tafsir de al Jalalayn) ao seu filho adoptado Zayd ibn Harithah. Assim, vemos que se os guardiões masculinos geralmente casavam as mulheres no tempo pré-islâmico, esta prática se manteve com a invenção do Islã.
Também vemos a lei islâmica tornando necessário que uma mulher (seja virgem ou casada anteriormente) tenha um guardião masculino que a dê em casamento, por exemplo, aprendemos que quando Maomé casou-se com Umm Salamah ela era uma “viúva mais velha”, mas o que dificilmente se lê é que ela foi “casada com o Profeta” por seu filho, Salamah (Ibn Hisham, 2010, página 793). Por outro lado, as formas pré-islâmicas de união, algumas das quais deram autoridade às mulheres em um casamento, foram substituídas pela ordem patriarcal pelo Islã (ver Ahmed, 1986, p.667) eliminando casamentos que ajudavam as mulheres, tais como: casamento uxorilocal (de acordo com Ahmed, a própria mãe de Maomé tinha contraído esta forma de casamento com Abdullah ibn Abdul Muttalib), forma pré-islâmica de casamento mutah (que, de acordo com Robertson escrevendo em Kinship And Marriage in Early Arabia – Parentesco e Casamento na Arábia Antiga – pode ter sido o tipo contratado entre Khadija e Maomé, considerando o fato que ele permaneceu monogâmico), e até poliandria praticada por mulheres pertencentes a tribos matrilineares. Nas palavras de Fátima Mernissi (2011), a poliandria, que foi banida pelo Islã, era degradante para os homens e não para as mulheres:
“Casamentos de sexo em grupo, onde a mulher podia manter relações com um grupo de menos de dez homens ou consumir um número ilimitado de parceiros, degradavam os homens a um anonimato quase animalesco. A paternidade, que implicava que a mulher limitava seu desejo sexual de consumir apenas o corpo de seu marido, era um raro privilégio, já que as crianças pertenciam, em geral, à tribo da mãe.”
O anonimato do pai significava que o papel de um homem era o de um mero doador de esperma e um objeto sexual temporário. Como a mulher dava à luz e criava os filhos, ela tomou posição central. De acordo com Robertson (1907), a poliandria, como praticada no mundo pré-islâmico, é geralmente descrita por escritores muçulmanos como fornicação. No entanto, diz ele, “como as crianças não são bastardas e as mães não são desonradas ou punidas por sua impureza, o termo é claramente inadequado.”
Divórcio
Outra área onde o islã mudou o equilíbrio de poder entre homens e mulheres é o divórcio. Embora geralmente os homens tivessem o direito de se divorciar das mulheres no tempo pré-islâmico, também há registros que indicam que as mulheres tinham direitos iguais para divorciarem dos seus maridos:
“As mulheres na época pré-islâmica, ou algumas delas, tinham o direito de dispensar seus maridos, e a forma da dispensa era esta. Se eles viviam em uma tenda, elas a giravam de modo que, se a porta se voltava para o leste, agora ela estava voltada para o oeste, e quando o homem via isso, ele sabia que tinha sido dispensado e não entrava (Isfahani in Hoyland, p.130).
O relato acima rejeita a alegação de que foi o Islã que deu às mulheres o direito ao divórcio, algo que também é fatualmente falso uma vez que uma mulher muçulmana não pode se divorciar de seu marido, mas tem que pedir para ser divorciada por ele. Uma opção de igualdade teria sido fazer o ‘divórcio através da arbitragem’, uma lei tanto para homens como para mulheres. Em vez disso, os homens têm todo o direito de dispensar uma esposa independentemente, mesmo através de um pronunciamento oral, enquanto que a mulher tem que “pedir” ao marido o divórcio através da intercessão de terceiros (chamado Khul):
“O Islã restringiu ainda mais os direitos de divórcio das mulheres, deixando apenas ao marido a decisão sobre o divórcio. Embora a prática de renunciar a um mahr (dote) para um divórcio continue a existir nos países muçulmanos até agora, já não garante a esposa um divórcio: o marido tem o direito de recusar o divórcio, mesmo se a esposa estiver disposta a renunciar o seu mahr (dote). Somente circunstâncias muito limitadas (como o desaparecimento de um marido durante quatro anos, ou deformidades físicas extremas que levem à impotência sexual) dão direito a uma esposa pedir um divórcio para um juiz islâmico. A decisão final é deixada ao juiz, entretanto. [9] “
Esta disparidade nunca foi mais clara do que na época moderna, quando os homens muçulmanos podem se divorciar via mensagens de texto [10], enquanto que as mulheres muçulmanas têm que esperar anos para obter o divórcio [11] deixando claro que mudar a direção da abertura de uma tenda era, inquestionavelmente, um ato de empoderamento para uma mulher pré-islâmica!
Preço da Noiva
O Islam também continuou a praticar o “preço nupcial” (chamado Mahr ou Sadaq) tornando o casamento islâmico um “casamento de autoridade”. Mahr ou Sadaq é explicado no Islã (como era entendido antes do Islã também) como o preço que um homem paga a uma mulher para ter relações sexuais com ela (chamado de “thaman al bud’a” – “preço da vulva”, pelo Imam Shafi, ver Ali, 2006, p.4). No entanto, antes do Islã, algumas mulheres eram capazes de contrair casamentos com homens que eram obrigados a viver na casa da mulher. A prole produzida em tal casamento permaneceria com a mulher e sua família e o marido não receberia herança da esposa após sua morte. Alguns primeiros biógrafos de Maomé afirmam que Khadija pagou quatro mil dinares a Maomé por seu casamento, o que leva estudiosos como Robertson e Leila Ahmed especularem que o tipo pré-islâmico de casamento entre os dois obrigou Maomé a viver na casa de Khadija e permanecer monogâmico enquanto ela estivesse viva (ele também não recebeu nada em herança após a sua morte). Depois do Islã, os homens não eram mais obrigados a ser monogâmicos e permitiam até quatro esposas e tantas concubinas quanto pudessem pagar. As mulheres, por outro lado, foram proibidas de praticar poliandria. Os estudiosos muçulmanos explicam que o Islã permite aos homens quatro esposas (ignorando as inúmeras concubinas!), tornando-o o único sistema religioso no mundo a restringir a poliginia ilimitada pela primeira vez. Isso sabemos que não é verdade. Mais de quinhentos anos antes do Islã, o hinduísmo já havia estabelecido a lei segundo a qual ‘a casta superior, Brâhmanas, era permitida a quatro esposas (Baudhayana Prasna I, Adhyay 8, Kandikka 16 [12]).
Assim, haviam outros sistemas religiosos antes do Islã que a poliginia restrita e modelos semelhantes deveriam estar disponíveis para que os muçulmanos adotassem, incluindo um modelo monogâmico igualmente satisfatório que poderia ter sido estabelecido como o modelo preferido para ambos os sexos ao terminar a prática de ‘thaman al bud ‘A’, que reduz o significado de uma mulher para o de bens comprados. Isso não é apontado nos discursos islâmicos modernos, que começaram a chamar Mahr / Sadaq de um “doce presente” ao invés de “preço da vulva”. Mahr é usado de forma intercambiável com Sadaq nos discursos islâmicos, embora o primeiro tenha sido pago, no tempo pré-islâmico, ao guardião masculino da noiva, enquanto o último foi dado à noiva. Depois do Islã, embora permaneça como o pagamento que dá a um homem “o direito de desfrutar das partes íntimas das mulheres” (Sahih Bukhari – Volume 7, Livro 62, Número 81), Mahr ou Sadaq é diretamente dado à noiva e se torna sua propriedade. No entanto, como um homem compra a vulva de uma mulher através de Mahr (Alcorão, 4:24), ela deve permanecer monógama e fiel a seu marido; Se ela não for, ele pode tomar o Mahr de volta (Alcorão, 4:19). Se ele não a quiser mais, ele pode divorciar-se dela e deixar que ela mantenha o Mahr já que ele já “entrou” no que pagou (Alcorão, 4: 20-21). Se uma mulher quer um divórcio, ela retorna o Mahr para que ela possa ser “liberada / libertada” (“tasrīḥun” – Alcorão, 2: 229). Este é um modelo claro de casamento patriarcal da autoridade, onde a vulva da mulher é comprada e ela deve pedir para ser “libertada”, que o Islã estabeleceu como o modelo padronizado trazendo-o do tempo pré-islâmico, abolindo todos os outros modelos, alguns dos quais colocavam as mulheres em pé de igualdade ou em uma posição mais favorável.
Papel social das mulheres pré-islâmicas
Ser esposas e mães não eram os únicos papéis desempenhados pelas mulheres no tempo pré-islâmico. As mulheres encomendavam inscrições, faziam oferendas a seus deuses por direito próprio, agiam como oficiais administrativos, assumiam o privilégio de seus maridos falecidos e construíam prédios públicos e túmulos (Hoyland, p.132, ver também Al Fassi, 2001, p. 55), levando historiadores a afirmarem que a última atividade indica um “considerável grau de independência financeira” (Ibid). “Ahmed também explica que “as mulheres da Jahilia (época da ignorância pré-islâmica) eram sacerdotes, adivinhas, profetas, participantes de guerra e enfermeiras no campo de batalha. Elas falavam sem medo, críticas desafiadoras dos homens; autoras de versos satíricos dirigidos a formidáveis oponentes do sexo masculino; guardas, em alguma capacidade pouco clara, das chaves do santuário mais sagrado em Meca; rebeldes e líderes de rebeliões que incluíam homens; e indivíduos que iniciavam e terminavam casamentos à vontade, protestaram contra os limites impostos pelo islamismo a essas liberdades, e se misturaram livremente com os homens de sua sociedade até que o Islã proibisse tal interação” (1992, p.62).
Além disso, os muçulmanos afirmam que no período pré-islâmico durante “tempos de guerra, as mulheres eram tratadas como parte do saque. Simplificando, sua situação era muito ruim [13].” Mas isso continuou muito bem no Islã:
Narrado Buraida: O profeta enviou Ali a Khalid para trazer o Khumus ([um quinto] do saque) e eu odiava Ali, e Ali tinha tomado um banho (após um ato sexual com uma escrava do Khumus). Eu disse a Khalid, “Você não vê isto (isto é, Ali)?” Quando alcançamos o profeta eu mencionei isso para ele. Ele disse: “Ó Buraida! Você odeia Ali?” “Eu disse, “Sim.” Ele disse:” Você o odeia, porque ele merece mais do que o Khumus. “(Sahih Bukhari 5: 59: 637). Veja também Sahih Bukhari 7: 62: 137; Sahih Bukhari 5: 59: 512; Sahih Bukhari 5: 59: 459.)
Herança
Do mesmo modo, “os escritores muçulmanos, sobre o tema da herança, afirmam frequentemente que o Islã instituiu direitos de herança e de propriedade para as mulheres, algo que elas presumivelmente eram privadas na Arábia pré-islâmica. Isso é simplesmente falso e em contradição com muitas declarações no próprio hadice muçulmano” [14], pois lemos sobre a riqueza que Khadija herdara e possuía. Lemos até sobre Sulafa e a Hubba – duas mulheres a quem se confiava serem as Guardiães da Chave da Kaaba, algo que nunca aconteceu depois que Meca foi atacada e os muçulmanos ocuparam a Kaaba – as mulheres nunca se tornaram as sucessoras que poderiam se tornar em Guardiães da Chave. Sabemos agora (através do estudo de ninguém menos do que uma mulher muçulmana de Meca) que “as mulheres eram capazes de herdar e também legar herança para quem assim sempre que desejavam (sic). O fato de que as mulheres são aquelas que concedem direitos a seus parentes próximos demonstra seu poder legal de propriedade e herança”(Al Fassi, 2001, p.55).
Véu
Nos círculos muçulmanos modernos, também vemos afirmações de que o véu é a libertação da atenção sexual, que é uma escolha feminista que “dignifica a mulher” porque antes do Islã as mulheres costumavam andar nuas. Isso não é inteiramente verdade. O classismo (a discriminação baseada na classe social) existia na sociedade árabe pré-islâmica. A classe alta, mulheres livres cobriam seus corpos, até mesmo os rostos, porque sua “sexualidade e capacidade reprodutiva pertenciam a um homem” (Ahmed, 1992, p.12) – isso continuou no Islã. As mulheres pertencentes à classe trabalhadora e as escravas não se cobriam. Na verdade, as escravas não eram autorizadas a cobrirem seus corpos e eram punidas se tentassem se comportar como mulheres livres – isso também continuou no Islã:
Umar bateu nas mulheres escravas da família de Anas ibn Malik, quando as viu cobertas e disse: “Descubram sua cabeça, e não se assemelhem às mulheres livres.” – Abd al-Razzaq al-Sanani (211 AH / 826 CE) em Al-Musannaf.
Com base nesses incidentes “juristas nos séculos seguintes permitiram que as mulheres escravas muçulmanas orassem sem uma cobertura de cabeça, e andassem sem cobrir seus bustos em público. O awrah da mulher escrava – a área legalmente delineada que deve ser coberta para evitar o pecado – tornou-se a mesma que a do homem: desde o umbigo até os joelhos.” [15] O livro “Islam’ Black Slaves”, do renomado historiador Ronald Segal, dá detalhes específicos de como, ao longo da história muçulmana, o classismo existiu, com mulheres livres e escravas tratados de maneira diferente, como nos tempos pré-islâmicos (2001, p.13-65).
Infanticídio
O infanticídio feminino nos tempos pré-islâmicos é outro ponto que os muçulmanos usam para afirmar que as mulheres foram “resgatadas da sombria injustiça da escuridão pré-islâmica”. É certamente verdade que o Alcorão proíbe categoricamente o infanticídio e a prática terminou muito rapidamente, pelo menos na Arábia (Alcorão, 6: 151: 17: 31). No entanto, a prática nunca foi generalizada de qualquer forma, e o Alcorão claramente proíbe o infanticídio de meninos e meninas, não apenas das meninas. As tribos que praticavam o infanticídio não discriminavam entre filhos e filhas. Algumas tribos matavam seus filhos como uma maneira de apaziguar seus deuses. O avô de Maomé, Abdul Muttalib, tinha jurado a seu deus mais elevado, Alá, que sacrificaria um filho se ele tivesse dez. Ele foi então obrigado a sacrificar Abdullah (pai de Maomé) cujo nome foi sorteado por setas de adivinhação, mas que acabou salvo por uma consulta de uma adivinha (Ibn Ishaq, p.66-68). Tribos mais pobres matariam seus filhos pelo medo da pobreza. Havia uma tribo, Tamim, na qual alguns homens matavam suas filhas, pois estavam sempre em guerra com outras tribos e temiam que suas filhas fossem capturadas e transformadas em concubinas. No entanto, enquanto o Alcorão proíbe matar crianças, e se refere ao medo e à tristeza associados ao nascimento de uma filha (16:58-59), ele nunca proibiu a captura de mulheres em guerras e sua posterior escravização e concubinato. Estranhamente, renomados eruditos muçulmanos, como Ibn Khaldun e Ibn Sina, justificaram a captura de africanas como escravos, comentando que “as nações negras são, em regra, submissas à escravidão”, uma vez que têm características que “são bastante semelhantes às dos animais mudos” (Khaldun, citado em Segal, 2001: 49). Da mesma forma, al Idrisi é citado como comentando sobre a conveniência de concubinas nubianas: “Suas mulheres são de beleza insuperáve. Elas são circuncidadas e perfumadas … De todas as mulheres negras, elas são as melhores para os prazeres da cama” (Ibid, p.50). Assim, vemos que enquanto a degradação das mulheres como concubinas escravizadas poderia ter sido banida pelo Islã, que era o receio que levava a tribo Tamim a matar suas filhas, o Islã não só continuou a prática, mas ela foi justificada pelos primeiros estudiosos muçulmanos.
Conclusão
Dois argumentos estão sendo feitos neste ensaio:
- a condição das mulheres na Arábia pré-islâmica dependia da tribo a que pertenciam – nem todas as mulheres eram maltratadas, de fato, algumas eram muito mais empoderadas antes do Islã do que depois … todos esses relatos existem em fontes muçulmanas;
- o Islã não escolheu os mitos culturais preexistentes mais capacitadores das mulheres para estabelecer leis sobre as mulheres.
Parece que as leis islâmicas relacionadas com as mulheres, enquanto se esforçam em oferecer alguma forma de compaixão pelas mulheres, são consistentemente formadas de forma a beneficiar os homens, e o foco de muitas dessas leis tem sido satisfazer o interesse quase obsessivo do Islã na paternidade. Os ativistas muçulmanos de igualdade de gênero argumentam que os primeiros estudiosos, do sexo masculino, deliberadamente interpretaram o Alcorão de forma errada. Mas toda sua premissa baseia-se na crença de que o Islã melhorou universalmente a situação das mulheres que viveram na escuridão sombria, injusta e pré-islâmica. Sem essa suposição ingênua (que vimos ser uma crença falsa), todo o seu argumento desmorona em pó. Alguns muçulmanos já começaram a perceber isso:
“Fiquei apenas mais convencida de que, se as muçulmanas vierem a aceitar plenamente os casos em que o significado do texto do Alcorão são prejudiciais para elas, devemos começar a confrontar esses significados com mais honestidade, sem recorrer a apologética de explicações e manipulações interpretativas para forçar sentidos igualitários do texto. Além disso, também cheguei a acreditar firmemente que devemos começar a re-imaginar radicalmente a natureza da revelação e divindade do Alcorão.” – Hidayatullah (2014, p. viii).
À medida que mais e mais historiadores reconsiderarem a condição das mulheres pré-islâmicas, será extremamente difícil para os estudiosos muçulmanos defender o suposto igualitarismo de gênero no Islã sem radicalmente reimaginar a natureza da revelação e divindade do Alcorão.
Referências
Ahmed, L. ( 1986). Women and the Advent of Islam. Signs, Vol. 11, No. 4, pp. 665-691. University of Chicago Press
Ahmed, L. (1992). Women and gender in Islam. New Haven and London: Yale University press
Al-Fassi, H.A. (2007). Women in Pre-Islamic Arabia, British Archaeological Reports (BAR) Archaeopress, Oxford
Ali, K. (2010). Marriage and Slavery in Early Islam. Cambridge: Harvard University Press
Ibn Ishaq. (2010). Sirat Rasul Allah – The Life of Maomé. Translated by A. Guillaume. Karachi: Oxford University Press
Hidayatullah, A. A. (2014). Feminist Edges of the Qur’an. New York: Oxford University Press
Hoyland, R. G. (2001) Arabia and the Arabs – from the bronze age to the coming of Islam. London and New York: Routledge
Mernissi, F. (2011). Beyond the Veil: Male-Female Dynamics in Muslim Society. London: Saqi
Robertson, S. W. (1907). Kinship And Marriage In Early Arabia. London: Adam and Charles Black
Segal, R. (2002). Islam’s Black Slaves: The Other Black Diaspora. New York: Farrar, Straus and Giroux
\Mulheres Direitos na arabia pre-islamica
Carla Sousa diz
Muito interessante a vida das mulheres árabes pré-islâmicas. Você também sabe algum site que fale sobre a situação das mulheres da Roma, Grécia, Egito etc na antiguidade? Se puder informar, desde já agradeço.