Um tributo aos europeus do passado.
No dia 18 de maio de 1565 deu-se início a uma das mais importantes batalhas militares entre o islamismo e a Europa, quando os turco otomanos começaram o cerco a Ilha de Malta, que visando obter controle total do mar Mediterrâneo e ter liberdade para continuar com a sua pirataria.
Um pouco de contexto. No início do século 16, piratas muçulmanos centrados em Argel, capital da atual Argélia, começaram a aterrorizar os cristão do Mediterrâneo. Os piratas muçulmanos, também conhecidos como Corsários da Barbárie, eram motivados, do mesmo modo que os jihadista terrestres, pelas promessas de Maomé, que teria dito que “uma campanha pelo mar vale mais que 10 campanhas pela Terra.” Maomé também teria dito que “aquele que perde o seu rumo do mar é como se ele tivesse derramado o seu sangue no caminho de Alá”, ou seja, teria garantido a sua recompensa nesta vida ou no paraíso muçulmano. O desejo quase insaciável dos piratas muçulmanos pela pilhagem era ampliado pelos seus sonhos de martírio, e as recompensas sexuais após a morte.
O sultão Otomano da época era Solimão, o Magnífico, também conhecido como Suleiman, o Ghazi, significando, o jihadista ou o invasor. Ele convocou Khair al-Din Barbarossa, o mais famoso de todos esses piratas, para seu serviço e o tornou uma espécie de almirante da pirataria e da jihad no mar Mediterrâneo. A exemplo do que ocorreu nos séculos antes das cruzadas, as costas da Europa estavam sendo novamente atacadas pelos piratas muçulmanos. O mar Mediterrâneo se tornava novamente, inundado pela jihad islâmica e pelo tráfico de escravos cristãos. A quantidade de europeus escravizados pela pirataria muçulmana foi tanta que era comum se dizer em Argel, que um escravo cristão valia menos que uma cebola.
Entre 1500 e 1800, aproximadamente 1,25 milhão de europeus foram escravizados pelos piratas muçulmanos, a maioria deles tendo utilidade como escravos domésticos, ou realizando outro tipo de trabalho braçal. Geralmente, mulheres, adultas e adolescentes, e homens adolescentes, eram usados como escravos sexuais.
Mas o sucesso da pirataria islâmica tinha um osso na garganta, os cavaleiros da ordem de Malta. Os cavaleiros da ordem de Malta, ou cavaleiros da Ordem de São João, eram conhecidos anteriormente como os cavaleiros hospitalares, fundados logo após a primeira cruzada (1099). Solimão havia expulsado os cavaleiros hospitalares da sua sede na Ilha de Rodes, em 1522. Ou seja, por 200 anos eles fustigaram toda e qualquer tentativa naval dos otomanos. Ao serem expulsos da Ilha de Rodes, Carlos V, o então imperador do Sacro Império Romano, ofereceu a ilha de Malta para ser a nova sede dos hospitalários, no ano de 1530. Desta nova sede, eles continuaram sendo um osso na garganta dos otomanos.
Em março de 1565, suleimão decidiu eliminar de uma vez por todas o que ele chamou de “o quartel dos infiéis.” Para tal ele despachou a maior frota que ele pôde montar até então, carregando algo em torno de 40.000 soldados otomanos fortemente armados, inclusive com artilharia pesada da época, para conquistar esta pequena ilha cuja população total não ultrapassava os 8.000 habitantes. A armada turca zarpou de Constantinopla em 22 de março. De acordo com as mais completas histórias da batalha, ela foi uma das maiores frotas reunidas desde a antiguidade, consistindo em 193 navios, incluindo 131 galés, sete galeotas (pequenas galés) e quatro galeaças (grandes galés), sendo o restante navios de transporte.
Parte da tropa invasora era constituída pelos soldados de elite, os janízaros. Os janízaros eram formados a partir de meninos cristãos tomados das suas famílias como pagamento do imposto que cristãos são obrigados a pagar (Jizya), e educados como soldados muçulmanos. Era comum que eles retornassem ao seu local de nascimento para aterrorizar seus habitantes, sem terem a menor ideia de que estavam fazendo o mal aos membros da sua comunidade de origem.
O papa Pio IV implorou os reis da Europa para ajudarem Malta, mas isso não adiantou muito pois eles estavam envolvidos com seus problemas no continente. Apenas o vice-rei da ilha da Sicília, Garcia de Toledo, que era parte do império espanhol, prometeu ajuda, mas disse que precisaria de tempo para recrutar as tropas.
Os cavalheiros de Malta eram liderados pelo grão-mestre Jean Parisot de La Valette (1494- 1568), um líder com grande experiência militar e administrativa. Mesmo do alto dos seus 70 anos de idade, La Valette mostrou todo o seu vigor, e toda a sua devoção, ao fazer preparativos para a defesa contra o ataque iminente, incluindo motivar os seus soldados, aproximadamente 500 cavaleiros, mais 5.500 soldados, sendo 3 mil deles recrutados da população, dizendo “um exército formidável composto por bárbaros audaciosos está vindo para a ilha. Essas pessoas meus irmãos são inimigos de Jesus Cristo. Hoje, é tudo uma questão de defender a nossa fé para impedir que o livro os Evangelhos seja substituído pelo livro do Alcorão. Nesta ocasião, Deus requer de nós a nossa vida, vida essa que já dedicamos ao seu serviço. Feliz daqueles que consumarem este sacrifício.”
A ilha de Malta era defendida por 3 fortificações, o Forte de São Elmo, o Forte de São Ângelo e o Forte de São Miguel.
Os invasores turco-otomanos começaram um bombardeio ininterrupto contra o forte de são Elmo, pois ele controlava a entrada da baía. Junto com o bombardeio, ondas de ataques por parte dos Janízaros eram repelidas pelos corajosos defensores deste forte, que não passavam de 1500 homens. O ataque interrupto que havia começado no dia 18 de maio terminou no dia 23 de junho, quando o forte, agora reduzido a escombros, foi finalmente capturado. Inicialmente, os turcos previam conquistar o forte de São Elmo em dois ou três dias. Foram precisos 36 dias para esta conquista.
Todos os defensores do forte foram mortos. Aqueles que não morreram durante os ataques foram executados ritualisticamente em um modo semelhante àquele feito por Saladino contra os prisioneiros, cavaleiros templários e hospitalares, capturados na Batalha de Hatin (1187). Os cavaleiros de Malta foram pendurados de cabeça para baixo, tiveram seus pescoços decepados, seus peitos abertos e seus corações retirados. O comandante otomano Mustafa ordenou que os corpos mutilados dos cavaleiros, incluindo aí o corpo de um padre maltez, fossem pregados em cruzes de madeira e jogados na baia, de modo a serem vistos pelos defensores dos outros fortes, a fim de desmoralizá-los.
Mas isso não funcionou. O grão-mestre La Valette respondeu a esse desafio de uma forma, diria eu, não muito cristã, mas bastante islâmica. Ele degolou os prisioneiros muçulmanos que estavam sob sua guarda, e usou as suas cabeças como bala de canhão endereçadas aos invasores turcos. Sua resposta não poderia ter sido mais clara.
Ao final da sua vida Maomé declarou que ele tinha sido vitorioso devido ao terror. Mas aparentemente os invasores turcos falharam na sua tentativa de aterrorizar o grão-mestre La Valette e seus comandados.
Os turco otomanos então depois procederam ao mais contínuo bombardeio da história até então quando mais de 130.000 balas de canhão foram atiradas contra os dois fortes restantes. O registro de um dos defensores retrata o que acontecia. Ele disse “eu não sei se a imagem do inferno pode descrever essa batalha. O fogo, o calor, os incêndios continuos, a fumaça, o fedor, os corpos mutilados, o barulho das espadas, os gemidos, os gritos, o rojão dos canhões, homens feridos, matando, brigando, jogando-se uns uns contra os outros, caindo e atirando.”
O resultado desse bombardeio incessante foi a destruição dos fortes que se reduziram a destroços. Mas a quantidade de soldados turcos mortos para avançar a cada centímetro era muito grande. O fato é que quando eles conseguiam se aproximar, as suas cimitarras não eram páreo para os montantes dos cavaleiros. Os montantes eram grandes espadas que tinham que ser empunhada por ambas as mãos. A luta se espalhou pelas ruas, onde até mesmo mulheres e crianças maltesas participaram dela.
O mês de agosto estava terminando e a ilha ainda não tinha sido conquistada. A enorme quantidade de mortos e feridos por parte dos turco otomanos estava lentamente os desmoralizando. Até que este que surge o vice-rei da Sicília desembarcando na ilha de Malta, com 10.000 soldados. Eles desembarcaram na baía de São Paulo que tinha esse nome pois havia sido lá que, quinze séculos antes, o navio que transportava o apóstolo para Roma havia naufragado. Ao chegarem, os soldados do vice-rei não perderam tempo em atacar os cansados e desmoralizados turco-otomanos, que finalmente se retirariam da ilha, em total derrota, no dia 11 de setembro.
Testemunhas oculares da época dizem que o fedor na baía era enorme devido a incontável quantidade de corpos turcos. No total 20.000 turcos e 5.000 defensores, dentre soldados e habitantes, pereceram na batalha. Após 40 anos de sucesso, Solimão finalmente sofreu a sua maior derrota, a tal ponto que um ano depois ele morreria.
Malta havia sobrevivido à jihad turco-otomana, e, em toda a Europa, as pessoas celebraram o que viria a ser a última batalha épica envolvendo Cavaleiros Cruzados.
A vitória dos cavaleiros de Malta foi muito importante não apenas porque eles defenderam a ilha de Malta, mas também porque eles mostraram para a Europa que a máquina de guerra otomana podia ser derrotada, até mesmo por uma força menor, porém bem-organizada. Isso facilitaria a futura formação de alianças entre os reinos europeus para lutar contra os invasores otomanos turco otomanos. Um exemplo claro foi a chamada Liga Santa, formada por nações marítimas católica, comandadas pelo império espanhol, que, em 1571, derrotou uma enorme esquadra otomana com uma esquadra menor, porém tecnológicamente superior, em uma das maiories batalhas navais da história, a Batalha de Lepanto.
Após a vitória no grande cerco de Malta, o Grão-Mestre La Valette encomendou a construção da nova cidade de Valeta, em 1566, lançando a primeira pedra com suas próprias mãos. La Valette morreu no dia 21 de agosto de 1568.
Até hoje os habitantes da ilha de Malta não perdoam os turcos por este ataque selvagem.
Referências:
Allen, Bruce Ware, The Great Siege of Malta: The Epic Battle between the Ottoman Empire and the Knights of St. John, ForeEdge, 2017.
Ibrahim, Raymond, The Sword and the Scimitar: fourteen centuries of war between Islam and the West, Da Capo Press, 2018.
\Historia-Cerco-de-Malta-1565