Muito se discute sobre motivo que leva países de maioria muçulmana a serem mais pobres. A causa são aspectos culturais e jurídicos que advém da religão islâmica. O artigo faz uma abordagem histórica sobre o que leva o islamismo a estagnar a sociedade que ele conquista. O islamismo conquistou a porção mais importante do império romano e o império persa, e se beneficiou desta herança até que o islamismo engessasse finalmente o califado (leia sobre isso no artigo O Islã causou a “Idade das Trevas”. A estagnação que se seguiu a partir do século X, fez o mundo islâmico assitir ao soerguimento da Europa cristã, que o suplantou milhares de vezes. O artigo discute causas desta estagnação, incluindo o impacto causado pela lei de herança islâmica, a proibição de juros e um sistema de justiça corrupto que favorecia muçulmanos sobre não muçulmanos, homens sobre mulheres, e ricos sobre pobres.
O artigo baseado em material extraído de vídeo Why are Muslim countries poorer.
Se olharmos para Marrocos, Argélia, Tunísia, Egito, Líbia, Jordânia e até mesmo Iraque, Afeganistão e Iêmen, constatamos que todos esses países têm duas características muito evidentes em comum. Em primeiro lugar, são nações com níveis significativos de pobreza, e em segundo lugar, são profundamente islâmicas. Excetuando-se as monarquias árabes ricas em petróleo do Golfo Pérsico, é notável que os países com predominância muçulmana geralmente enfrentam extrema pobreza. Para ilustrar, o PIB per capita médio desses países é cerca de 5.000 dólares abaixo da média global. Essa discrepância peculiar foi objeto de estudo por numerosos historiadores, gerando extensas discussões e teorias. Entre elas, duas teorias se destacam na sociedade.
Por um lado, há quem argumente que a religião e a cultura islâmicas são intrinsecamente contrárias ao progresso. Para esses críticos, os muçulmanos tendem a rejeitar princípios fundamentais do desenvolvimento, como o comércio ou a democracia. Enquanto 60% dos países do mundo adotam sistemas democráticos, apenas 14% dos muçulmanos vivem sob essa forma de governo. Por outro lado, há defensores de uma segunda teoria que atribuem os problemas dos países muçulmanos não à sua religião, mas ao colonialismo ocidental, que historicamente explorou e continua a explorar essas nações.
Observadores econômicos afirmam que podem existir elementos culturais que dificultam o desenvolvimento, e o legado do colonialismo certamente não favoreceu esses países. No entanto, do ponto de vista atual, nenhuma dessas razões parece ser a causa fundamental do fracasso econômico no mundo islâmico. Historicamente, o mundo muçulmano já foi uma região próspera. No ano 1000 d.C., durante a Idade Média, o mundo muçulmano representava 10% do PIB global, enquanto a Europa estava em um período de estagnação. Naquela época, cidades como Bagdá e Córdoba de Al-Andalus eram centros de riqueza e cultura, com populações muito maiores do que as cidades europeias contemporâneas.
O mundo muçulmano da Idade Média contribuiu para o desenvolvimento de diversas áreas, como a álgebra, a medicina e os sistemas de irrigação. Portanto, é evidente que esses países eram relativamente prósperos mesmo sendo muçulmanos. A religião, nesse contexto histórico, não parecia ser um impedimento para o progresso. Em relação ao colonialismo, é importante notar que, até o ano 1700, o mundo muçulmano já havia experimentado uma significativa queda em sua participação no PIB mundial, caindo para apenas 2,2%. Isso mostra que esses países já enfrentavam desafios econômicos muito antes do início do colonialismo.
Diante disso, surgem questões importantes: o que ocorreu entre os séculos X e XVI que interrompeu abruptamente o progresso econômico no mundo muçulmano? O que a Europa fez corretamente enquanto esses países não fizeram? E, talvez mais crucialmente, será que essa divergência de mais de 500 anos explica a situação atual? Neste contexto, as análises econômicas visuais buscam lançar luz sobre esses questionamentos.
Explicando a lacuna
Em todo o mundo islâmico, há algo que é profundamente impressionante. De acordo com os registros dos tribunais de Istambul e Gálata no século XVII, quase 80% de todas as empresas nessas regiões tinham apenas dois sócios, e não havia grandes corporações com centenas de acionistas, como a Companhia Britânica das Índias Orientais. As empresas islâmicas, desde a era moderna, sempre se caracterizaram por serem muito pequenas e enfrentarem dificuldades para se desenvolverem. Um exemplo claro disso é que, enquanto na Europa os primeiros grandes bancos surgiram no século XVII, como o Banco de Amsterdã, no Oriente Médio eles só surgiram na segunda metade do século XIX, representando um atraso de mais de 200 anos. A pergunta que surge é: por que o mundo islâmico ficou tão para trás? Por que suas empresas sofrem de um tipo de nanismo crônico? Para aqueles que acompanham a economia visual, certamente compreendem o que estamos abordando. A falta de grandes empresas muitas vezes indica uma falta de inovação e desenvolvimento. Como explicamos tudo isso? Embora haja muitas causas, pelo menos três razões são absolutamente fundamentais para essa questão nos países muçulmanos.
Primeira razão: lei de herança
O direito herança é altamente regulamentado pelo Alcorão e segue princípios de igualdade entre os filhos do sexo masculino (“para a mulher, a metade da parte do homem”). Isso significa que não é permitido discriminar os filhos, deixando toda a herança para o filho mais velho. Embora isso possa parecer como algo natural, deve-se levar em consideração as consequências da poligamia. As sociedades muçulmanas eram polígamas, o que resultava em elites com várias esposas e muitos filhos, diluindo assim a herança. Isso se tornava problemático devido aos regulamentos comerciais da época, que exigiam a dissolução da empresa quando o proprietário falecia. Como resultado, se os filhos quisessem continuar o negócio do pai, teriam que reconstruir a empresa do zero. No entanto, devido à diluição da herança entre tantos herdeiros, era difícil para um filho reunir todo o capital necessário para reerguer o negócio. Muitos empreendedores também não se esforçavam para garantir a continuidade de seus negócios, pois sabiam que, ao falecerem, era provável que a empresa desaparecesse. Em resumo, havia pouco incentivo para o desenvolvimento de grandes empresas. No entanto, existem ainda mais razões pelas quais grandes empresas não surgiram.
Segunda razão: a proibição de juros
Na seção anterior discutimos sobre o atraso na evolução dos grandes bancos no mundo muçulmano. Isso também teve implicações significativas para as empresas. Afinal, sem instituições bancárias robustas, conseguir empréstimos para iniciar um negócio se torna uma tarefa muito mais árdua. O Islã proibe empréstimos com juros, e essa proibição persistiu por muito tempo, ao contrário de outras regiões como o mundo cristão ocidental, onde a proibição foi levantada mais cedo. No entanto, houve exceções notáveis. Líderes religiosos promoviam formas de concessão de empréstimos publicamente, como o conceito islâmico de conceder crédito comprando um bem do mutuário e vendendo-o de volta a ele por um preço mais baixo posteriormente. Apesar dessas brechas, o setor bancário enfrentou dificuldades para crescer. Enquanto as empresas francesas podiam obter financiamento a uma taxa média de cerca de 5%, as empresas do Império Otomano precisavam se financiar a taxas superiores a 20%. Isso resultou em um atraso significativo no desenvolvimento do setor bancário, juntamente com uma das invenções mais revolucionárias da Idade Média: as letras de câmbio. Com as letras de câmbio, os comerciantes italianos, por exemplo, podiam viajar sem transportar grandes quantias de dinheiro, e esses cheques podiam ser usados com diferentes moedas entre países. A evolução dessa tecnologia financeira está intrinsicamente ligada ao progresso no setor bancário, com nomes importantes, como os Medici. No Oriente Médio, muitos mercadores ainda dependiam do transporte de grandes quantidades de ouro em seus navios, o que os tornava alvos fáceis para piratas e ladrões. Embora houvesse algo semelhante às letras de câmbio, mais antigas que as europeias, eram raras e menos flexíveis. Esse contexto complicado tornava ainda mais difícil para montar e expandir uma empresa. No entanto, há mais uma razão fundamental para entender por que as empresas nessa região lutaram para prosperar.
Terceira razão: um sistema de justiça corrupto
A ausência de grandes exemplos históricos de colaboração entre empresas islâmicas e ocidentais pode ser atribuída a uma razão simples: nenhum muçulmano poderia formar empresas sem aderir aos princípios da lei islâmica. Portanto, se um comerciante europeu quisesse ter um parceiro muçulmano, seria necessário concordar com as regras do Alcorão. Regras como a dissolução automática da empresa em caso de morte de um dos sócios exemplificam essa restrição. Isso explica por que, nos países muçulmanos, foram as minorias religiosas, não sujeitas à lei islâmica, que mais prosperaram. Os cristãos, apesar de representarem apenas 55% da população, respondiam por 89.7% de todas as exportações e importações em Beirute, um padrão que se repetiu em toda a região (Boutros Labaki, 1988).
Outra razão relacionada à falta de confiança na justiça dissuadir ocidentais de investir residia no fato dos juízes otomanos serem notoriamente pouco confiáveis. Os juízes do império otomano eram autoridades religiosas que frequentemente desconsideravam testemunhos escritos, como contratos. Apenas 3% dos julgamentos em que um contrato foi apresentado como prova, em Istambul, durante o século XVIII, foram considerados suficientes. A maioria dos juízes exigia testemunhos orais adicionais. Em contraste, no mundo cristão, os contratos se tornaram prova necessária em julgamentos comerciais antes de 1400. Com o sistema de evidências predominantemente oral no Islã, os juízes tendiam a favorecer muçulmanos sobre não-muçulmanos e, quando entre pessoas da mesma religião, favoreciam os mais ricos. A corrupção era endêmica.
Estagnação do mundo islâmico
Mas essa explicação é incompleta. Muitos desses problemas também estavam presentes nos países cristãos, como a proibição do crédito com juros. No mundo islâmico, não era tanto uma questão de decadência, mas de estagnação. Eles não estavam empobrecendo; simplesmente não estavam enriquecendo. Os contratos de trabalho e as estruturas empresariais permaneceram praticamente inalteradas por mais de mil anos, enquanto que na Europa surgiam estruturas empresariais cada vez mais inovadoras. Com o tempo, as restrições foram diminuindo, e o pecado da usura desapareceu. Então, a questão real é que, por restrições da religião, os muçulmanos não seguiram o mesmo caminho, impedidos de desenvolver novos modelos de negócio ou copiarem empresas ocidentais bem-sucedidas.
Timur Kuran (2012) observa que, antes do século XII, os principais empregos no mundo islâmico estavam principalmente relacionados ao comércio e à indústria. No entanto, a partir do século XII, houve um aumento significativo no número de empregos relacionados a assuntos burocráticos e militares. A burocracia cresceu rapidamente, enquanto os mercadores perderam parte de sua importância em favor do setor militar. Além disso, o setor religioso também se tornou muito mais poderoso nesse período. Isso sugere uma mudança notável no panorama econômico e social do mundo islâmico ao longo do tempo.
O “Ulemá”, que literalmente se traduz como “aqueles que têm conhecimento”, eram essencialmente a elite religiosa da época, verdadeiros especialistas em lei e teologia islâmicas. Inicialmente, essas elites religiosas estavam envolvidas no comércio ou no clientelismo, mas gradualmente se afastaram dessas atividades comerciais e se aproximaram cada vez mais dos líderes políticos, como sultões, vizires e califas. Isso ocorreu por uma questão da legitimidade. Um governante poderia ganhar legitimidade por ser reconhecido pelo seu povo, ser descendente de uma figura conhecida ou ser filho de um rei. No entanto, pelo menos no contexto do Oriente Médio, aproximar-se das autoridades religiosas era o aspecto mais crucial. A religião era uma maneira de capacitar os líderes políticos.
Mas por que a religião ganhou tanta influência política? A resposta está ligada problemas na produção agrária e abastecimento. Apesar do Alcorão proibir explicitamente organizações políticas de tipo feudal, uma série de más colheitas, epidemias e guerras levou muitas pessoas a migrar das cidades buscando refúgio no campo, onde pelo menos havia comida disponível. Surgiram então os “Iqtas”, algo equivalente aos feudos europeus. Nesse contexto, tanto as autoridades políticas quanto as religiosas enfrentaram desafios significativos. Por um lado, os sultões estavam perdendo poder para os nobres feudais dos “Iqtas”, e por outro lado, os líderes religiosos viram uma diminuição significativa de seus rendimentos devido à redução da atividade mercantil nas cidades.
Frente à isso, a união entre os sultões e o “Ulemá” parecia ser a solução ideal para ambos. No entanto, para o resto dos cidadãos, isso teve um impacto negativo no crescimento econômico da região por quase 800 anos.
Um dos exemplos mais marcantes da aliança entre autoridades políticas e religiosas foi a proibição da imprensa, um evento que deixa muitos historiadores completamente perplexos. Como se sabe, a invenção da imprensa por Gutenberg foi uma das mais revolucionárias da história da humanidade. Em apenas 50 anos após sua criação, mais livros foram escritos do que em toda a história anterior, o que resultou em um tremendo crescimento econômico. No entanto, o Império Otomano proibiu a imprensa por mais de 200 anos. Dadas as razões que mencionamos, certamente você pode compreender por que a imprensa representava uma ameaça para as autoridades religiosas. Basta olhar o que aconteceu na Europa com a Reforma Protestante.
Como mencionado por Francis Robinson (1993), a imprensa minou as bases da autoridade dos estudiosos religiosos, pois não era mais necessário que eles estivessem presentes durante a leitura dos livros. Isso quebrou o monopólio que tinham sobre a transmissão do conhecimento. Agora, os livros poderiam ser consultados por qualquer Ahmad, Mahmud ou Muhammad, que poderiam interpretá-los conforme desejado.
Segundo Timur Kuran (2012), a taxa de alfabetização na Turquia e no Império Otomano apenas atingiu o nível que a Holanda possuia, no século XV, na década de 1960. É realmente surpreendente como a introdução da imprensa e o aumento da alfabetização podem ajudar a transformar uma sociedade tão significativamente.
A força engessadora da autoridade religiosa muçulmana
A autoridade política dependia enormemente da autoridade religiosa no Médio Oriente, muito mais do que os monarcas dos reinos europeus, inclusive mais do que figuras como os monarcas católicos, embora estes ostentassem a palavra “católico” em seus nomes. No mundo islâmico, em troca de apoio religioso, os políticos estavam dispostos a fazer todo tipo de concessões, frequentemente na forma de leis que explicitamente impediam o desenvolvimento econômico. Isso explica por que as leis de herança mencionadas anteriormente duraram tantos séculos, apesar de serem tão prejudiciais.
É evidente que, embora essa relação entre a elite religiosa e política ainda persista em muitos países do Oriente, em outros lugares, ela se perdeu e não parece ter florescido muito. No entanto, embora não seja determinante, sabemos que, no desenvolvimento econômico, a história é significativa e que as instituições do passado exercem grande influência sobre as instituições do presente.
A cultura e os incentivos existentes nessas sociedades fizeram com que, quando alguns desses países abraçaram o secularismo, o fizessem de maneira muito diferente do Ocidente, por meio de movimentos tais como o socialismo árabe. Como sabemos, esses movimentos tiveram resultados diversos e não muito promissores.
Existiriam outras razões para explicar essa enorme disparidade? Neste caso, poderiamos ainda acrescentar alguns outros pontos. Em primeiro lugar, as terríveis restrições que o islamismo impõem às mulheres, capazes de prejudicar sua educação e sua participação no mercado de trabalho. Em segundo lugar, o ódio por outras religiões. O islamismo ensina que os seguidores de todas as outras religiões são pessoas más, o que, obviamente, prejudica relacionamentos (leia mais sobre al Walaa wal Baraa). Em terceiro lugar, leis bárbaras, incluindo punições para muçulmanos que abandonam a fé islâmica (crime de apostasia). Em quarto lugar, a perda horas produtivas com rituais de oração diários, que, além de prejudicar a produtividade dos trabalhadores muçulmanos, e cria um ambiente desigual, no qual o muçulmano tem mais direitos que os demais.
O risco inerente ao islamismo é que, mesmo se o país tiver se modernizado, basta o surgimento de um líder fundamentalista para retroceder o país ao século VI, na Arábia.
Referências
Boutros Labaki, The Christian Communities and the Economic and Social Situation in Lebanon, Andrea Pacini (Ed.), Christian Communities in the Arab Middle East The Challenge of the Future, Oxford University Press, 1988, https://doi.org/10.1093/oso/9780198293880.001.0001.
Timur Kuran, The Long Divergence: How Islamic Law Held Back the Middle East, Princeton University Press, 2012.
Francis Robinson, Technology and Chance in Religion: Islam and the Impact of Printing, Modern Asian Studies, Vol. 27, No. 1, Special Issue: How Social, Political and Cultural Information Is Collected, Defined, Used and Analyzed (Feb., 1993), pp. 229-251.
\Islamismo-provoca-estagnacao-economica-e-pobreza
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