Este é um fato particularmente trágico que há muito é lembrado pelos senegaleses. A história das mulheres da localidade de Nder que, numa terça-feira de novembro de 1819, se sacrificaram coletivamente para não cairem nas mãos dos escravagistas mouros. Um belo ato de resistência descrito no livro de Sylvia Serbin, Reines d’Afrique et héroïnes de la diaspora noire, edições Sépia.
Walo era uma província próspera localizada na foz do rio Senegal. Seus habitantes, agricultores pacíficos, viviam do comércio com os caravanas do comércio transsaariano e com o povo de Saint-Louis, a primeira capital colonial francesa do Senegal, onde vendiam seus produtos agrícolas.
A extrema ferocidade dos escravagistas negreiros mouros, no Senegal, era conhecida. Bem como era conhecida a grande quantidade de homens, mulheres e crianças arrancados de suas famílias para serem vendidos como escravos a famílias muçulmanas ricas do norte da África. Sempre tinha sido assim e Nder perdera muitos filhos e filhas deste modo.
Veio então a fatídica terça-feira do mês de Novembro de 1819, quando várias mulheres sacrificaram-se coletivamente para não cairem vivas nas mãos dos escravagistas. Estas heroínas foram avisadas por uma mulher que, desvairadamente, gritava:
Os mouros! Os mouros vêm aí! Estão quase a chegar! Eu estava à beira do lago de Guiers e vi-os através dos caniços. Um exército de mouros! Trazem consigo uma tropa, conduzidos pelo chefe Amar Ould Mokhtar! Preparam-se para atravessar o rio e vir à nossa aldeia!
Todas as mulheres choraram ao mesmo tempo. Eles sabiam o que o destino as esperava.
As mulheres decidiram de imediato organizar a resistência contra os cavaleiros de turbante vindos do deserto.
Elas enviaram às pressas as crianças para os campos vizinhos sob a orientação dos mais velhos, para que pudessem se esconder nos caules altos de painço. Em seguida, elas correram para suas cabanas e de lá saíram vestidas com calças largas e bufantes, alguns de um marido, alguns de um pai, alguns de um irmão; o cabelo escondido sob os bonés masculinos. Tinham-se munido de tudo o que pudesse servir para a sua defesa, machetes, lanças, porretes, e até mesmo até rifles de verdade, que usariam pela primeira vez. Sylvia Serbin descreve-nos como estas súbitas amazonas se bateram por meio da energia do desespero. Servas, camponesas, aristocratas, jovens, idosas, todas participaram, movidas pela coragem, num terrivel confronto contra os escravocratas mouros.
Nos cantos em que celebram a memória destas mulheres excepcionais, os quimbandas, ilustradores das páginas da história africana, asseguram que, nesse dia, as corajosas resistentes mataram mais de 300 mouros. Embora humilhado por ter sido derrotado por mulheres, o chefe mouro sabia que elas não poderiam resistir por muito tempo, apesar da sua bravura. Como ele não desejava arriscar-se a danificar a “mercadoria”, contava voltar mais tarde, de modo a apanhá-las vivas, para obter bom lucro nos mercados de escravos. As mulheres do Walo, que se tinham dado conta disto, sentiram-se perdidas. Já quase sem forças, não poderiam resistir a um segundo ataque.
Muitas das resistentes tinham sucumbido, e o mensageiro, que se precipitara em busca de socorro, certamente chegaria demasiado tarde. Assim, quando se perderam as esperanças, uma voz ergueu-se sobre os clamores, os lamentos e os gritos de dor. Era a voz de Mbarka Dia, uma grande líder das mulheres da comunidade e confidente da rainha Faty Yamar. Apoiando-se contra a árvore central da povoação, porque ela própria fora ferida, dirigiu-se às companheiras:
Mulheres de Nder! Dignas filhas do Walo! Endireitem-se e amarrem suas tangas! Preparem-se para morrer! Nossos homens estão longe, não ouvem nossos gritos. Nossos filhos estão seguros. Mas nós, pobres mulheres, o que podemos fazer contra esse inimigo impiedoso que em breve retomará o ataque? Onde poderíamos nos esconder sem que eles nos encontrassem? Seremos capturadas como nossas mães e avós antes de nós. Seremos arrastadas pelo rio e vendidas como escravos. Este é um destino digno de nós?
Sim, minhas irmãs. Devemos morrer como mulheres livres, e não viver como escravas. Sigam-me até à cubata do Conselho dos Sábios todas aquelas que assim pensam. Ali entraremos todas e atearemos o fogo. A fumaça de nossas cinzas que dará as boas-vindas aos nossos inimigos. Levantem-se minhas irmãs! Já que não há outra saída, morramos como mulheres dignas de Walo!
No interior da cubata, as mulheres abraçadas, apertadas umas contra as outras, entoaram, como se para ganhar coragem, canções de embalar e antigas cantigas que, desde a infância, tỉnham ritmado todas as suas atividades. Os cantos começaram a perder força e logo foram substituídos por violentos acessos de tosse. Foi então que uma delas, grávida, guiada pelo instinto de sobrevivência, abriu violentamente a porta com um pontapé e, inspirando profundamente, precipitou-se para o exterior, onde desmaiou na terra batida. Aquelas que ainda se encontravam vivas não se moveram. Algumas ainda tiveram tempo de murmurar:
Deixemo-la como testemunha da nossa história, há-de transmiti-la aos nossos filhos, que a contarão aos seus próprios filhos, para a posteridade.
Trecho do livro Geonocídio Ocultado, de Tidiane N’Dyae. Também neste link Résistantes sénégalaises à l’esclavage arabe : Les femmes de Nder.
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