A doutrina islâmica contém conceitos que nos confundem. Muitas palavras possuem um significado diferente daquele que nós compreendemos. Um lista é apresentada no Dicionário de Termos Islâmicos. Neste artigo, vamos tratar do significado de hudna, comumente traduzida como trégua. Vamos ver que no islamismo, trégua significa algo bastante diferente. (para mim, o conceito de hudna está ligado ao conceito de taqiyya.)
O que é Hudna?
Recentemente, Abu Marzouk, um alto escalão do grupo islâmico Hamas, concedeu uma entrevista para a revista Forward. Nesta entrevista, Marzouk diz que o Hamas nunca irá concordar com um tratado de paz com Israel. Ele diz “quando nós alcançarmos um acordo, no nosso ponto de vista, ele será uma hudna entre dois países.”
A palavra hudna é traduzida como “trégua,” mas isso é um erro (existem mais do que sete palavras em árabe significando trégua ou cessar-fogo). Se nós usarmos trégua, as palavras de Marzouk soariam para nós como uma indicação de que o Hamas está cansado de lutar, fatigado em lançar ataques terroristas, e que, talvez, uma trégua leve a uma paz duradoura. Mas hudna significa outra coisa totalmente diferente. Vejamos.
A palavra hudna está associada ao Pacto de al-Hudaybiyya. Segundo as fontes islâmicas, este pacto foi feito entre Maomé e a tribo dos Coraixitas (Quraysh) de Meca, no ano de 628 DC, tendo uma validade de 10 anos. Na época, Maomé ainda não tinha um exército capaz de conquistar a sua cidade de natal de Meca e as escaramuças com os Quraysh o enfraquecia. Maomé precisava ganhar tempo. Dois anos depois, em 630 DC, ocorreu uma escaramuça entre as tribos dos Bani Khuza’a e dos Bani Bakr. A tribo do Bani Kuza’a era aliada de Maomé ao passo que os Bani Bakr eram alidados dos Quraysh. Um fortalecido Maomé usou esta escaramuça como pretexto para denunciar o pacto. Os Quraysh enviaram uma delegação até Medina para conversar com Maomé, oferecendo compensação material (como era o costume). Maomé recusou. Ele arregimentou um exército tão grande que Meca se rendeu sem oferecer resistência.
Ao se referir a hudna, o Hamas usa o “perfeito exemplo de conduta” (Maomé) do seguinte modo:
- a exemplo de Maomé, eles fariam uma concessão impopular (“trégua” com Israel) na expectativa de que tudo ficaria melhor no final.
- Eles atingiriam o objetivo de conquistar Jerusalém (como Maomé conquistou Meca) e Israel como um todo (como Maomé conquistou os domínios dos Quraysh).
- A exemplo de Maomé, eles usariam o menor dos pretextos para atacar o inimigo.
O que diz a lei Islâmica
O artigo o9.16 do Manual de Lei Islâmica The Reliance of the Traveller trata específicamente de “Tréguas.”
Na Lei Sagrada, trégua (hudna) significa um tratado de paz com pessoas hostis ao Islã, envolvendo o cessar fogo por um período especificado, seja para pagamento ou outra coisa.
O artigo o9.16 se refere a dois versos do Alcorão (9:1 e 8.61) bem como ao pactor de al-Hudaybiya, como relatado nos Hadith de Bukhari e Muslim. O artigo diz ainda que “tréguas são permitidas, porém não obrigatórias.” O artigo descreve quem pode realizar uma trégua (o governante muçulmano de uma legião, o califa ou o seu representante) e discute o alcance territorial da trégua.
Com respeito ao motivo para um trégua, o artigo diz:
Interesses que justifiquem a realização de uma trégua são coisas como fraqueza dos muçulmanos devido à falta de membros ou material, ou a esperança do inimigo tornar-se muçulmano, pois o Profeta (Alá o abençoe e lhe dê paz) fez uma trégua de quatro meses com Safwan ibn Umayya, no ano em que Meca foi libertada, por quatro meses na esperança que ele iria se tornar muçulmano, e ele entrou no Islã antes de seu tempo acabar. Se os muçulmanos estão fracos, uma trégua pode ser feita por dez anos, se necessário, pois o Profeta (Alá o abençoe e lhe dê paz) fez uma trégua com os Quraysh pelo mesmo tempo, como é relatado por Abu Dawud. Não é permitido estipular um período maior do que este, salvo por meio de tréguas novas, cada uma das quais não excedendo dez anos.
Veja que a lei islâmica estipula a “fraqueza dos muçulmanos” como condição para uma trégua.
Mais exemplos de menção à hudna
A palavra hudna tem sido empregada corriqueiramente no conflito do Islão com Israel. Vejamos alguns exemplos.
- Em 10 de maio de 1994, em um discurso em uma mesquita durante uma visita e Johanesburgo (África do Sul) Yasser Arafat associou os acordos de paz de Oslo com o pacto de al-Hudaybiyya, chamando por uma jihad para libertar Jerusalém. Arafat estava sendo criticado, por árabes e por muçulmanos, por ter feito o acordo com Israel. Em defendeu a sua ação mencionando o pacto to al-Hudaybiyya. Ao falar com a imprensa árabe Arafat mencionava hudna; ao falar com a imprensa internacional, Arafat falava na “paz dos bravos.”
- Em janeiro de 2004, um dos líderes do Hamas, Abdel Aziz al-Rantissi, ofereceu uma hudna de 10 anos em troca de uma retirada total de Israel dos territórios capturados na Guerra dos Seis Dias, e o estabelecimento de um Estado da Palestina na Margem Oeste e em Gaza. Rantissi disse que a hudna estava limitada a 10 anos e representava uma decisão do Hamas porque era “difícil liberar toda a nossa terra neste estágio. Entretanto, a hudna não representaria um sinal de reconhecimento do Estado de Israel.”
- Junho de 2008. Quando perguntado se ele poderia ver uma hudna de 50 anos com Israel, o líder do Hamas, Nizar Rayyan, repondeu: “A única razão para se ter uma hudna é para se preparer para a batalha final. Nós não precisamos de 50 anos para nos preparar para a batalha final porque Israel é uma impossibilidade. Israel é uma ofensa contra Deus.”
- A Constituição do Hamas.
Consequências para nós
Na atualidade, com todas estas guerras e rumores de guerra que emanam do mundo islâmico, faz-se necessário, mais do que nunca, compreender a doutrina e objetivos do Islão com respeito a guerra e paz, e tudo o que esteja entre os dois (tratados, diplomacia). É importante apreciar que o Islão é completamente legalista. Com toda essa conversa que o Islão tem sido interpretado erroneamente por “radicais”, o fato é que, ao contrário da maioria das outras religiões, o Islão é claramente definido sem admitir qualquer ambiguidade. De acordo com a Sharia (“modo de vida”, ou, geralmente referida como “lei islâmica”) cada ato humano é categorizado como sendo proibido, desencorajado, permitido, recomentado ou obrigatório. “Senso comum” ou “opinião universal” têm pouco a ver com o conceito islâmico de certo e errado. Tudo o que importa é o que Alá (através do Alcorão) e o seu profeta Maomé (através das tradições – Hadith) tenham dito sobre um determinado assunto, e como os maiores teólogos e juristas (coletivamente conhecidos como ulema, ou “aqueles que sabem”) tenham articulado.
Maomé disse que “guerra é enganar os outros,” algo claro na sua hudna com Meca. Mas o fato do Islão legitimizar enganar os outros durante uma guerra não é algo surpreendente. Afinal, filósofos não-muçulmanos como Sun Tzu, Maquiavel e Hobbes justificaram enganar os outros numa guerra. A diferença crucial é que, de acordo com as escolas de jurisprudência islâmicas, guerra contra os infiéis é para toda a eternidade até que “todo o caos termine e toda a religião pertença a Alá” (Alcorão 8:39).
Pensamento final
Maomé disse
“Se eu faço um juramento e depois eu acho algo melhor, eu faço o que é melhor e quebro o meu juramento.” (Bukhari 8:618)
Maomé disse ainda:
“São 3 os sinais de um hipócrita: quando ele fala, ele mente; quando ele faz um juramento, ele o quebra; quando algo é confiado a ele, ele trái a confiança.” (Muslim 002 : 032)
Maomé quebra um juramento … e depois ele próprio diz que quem quebra juramento é hipócrita … interessante ….
\Hudna-Hudaybiyya-Hudaibia