no National Post em 18 de Julho de 2012, mostra como a queda de Assad irá levar à ruína a “terra prometida” dos Alawis. O artigo ainda é contemporâneo ante a continuação do embate na Síria, cuja conclusão é incerta.
Um pequeno grupo de pessoas marginalizadas foi
empurrada de um lado ao outro do Oriente Médio por impérios muçulmanos ao longo
dos séculos. Este povo finalmente esculpiu para sí uma casa independente nas
margens orientais do Mediterrâneo. Mas a vida continua precária: os islamistas
buscam deslegitimizar esta pátria recém-criada, acusando a seita dominante de
ser um bando de invasores infiéis. Agora, o ódio latente das pessoas ocupadas,
finalmente, se transformou em uma intifada, política e militar, implacável – e esta intifada é aplaudida por
ocidentais defensores dos direitos humanos.
O país que acabo de descrever é a Síria. Em que
pese todo o ódio patológico que o presidente Bashar Assad e seu pai Hafez
concentraram contra Israel, a história dos dois países traz algumas
semelhanças. E essas semelhanças ajudam a explicar porque o clã Assad, e seus seguidores,
se recusam a serem desalojados de Damasco.
Assim como os judeus de Israel, os membros da seita
Alawi na Síria consideram o seu controle sobre a nação como um problema
existencial. Há somente um estado Alawi, assim como existe apenas um estado
judeu, e sua destruição significaria o fim dos Alawis como uma entidade
política no cenário mundial – provavelmente para sempre. Com o passar das
gerações, pode significar até mesmo a sua assimilação gradual em outras nações,
como ocorreu com os zoroastrianos, os samaritanos e uma centena de outros povos,
agora obscuros, do Oriente Médio.
Para fins deste artigo, eu não estou elaborando sobre
as diferenças enormes e incontáveis entre
as histórias de origem síria e israelense. Os Alawis nunca sofreram um
holocausto. E eles compreendem apenas um oitavo da
população síria – em oposição aos judeus, que compreendem a maioria dentro de
Israel. Mas eu levanto o paralelo maior para
explicar por que Bashar Assad parece disposto a matar milhares, ou mesmo
dezenas de milhares de sírios para proteger o seu regime. Ele
não vê a si mesmo como o resto do mundo o vê: como um monstro poderoso e maluco
no crepúsculo de seu poder. Em sua mente, Assad se vê
como um campeão de um povo oprimido que luta para não desaparecer na lata de
lixo da história.
Para uma visão perspectiva de Assad, um recurso
útil é o recém-publicado livro de Fouad Ajami, A Rebelião da Síria. Norte-americano
de origem libanesa, Fouad Ajami conhece bem a região, e faz um bom trabalho
explicando como história antiga levou ao derramamento de sangue na Síria
moderna.
A seita Alawi, explica ele, apareceu pela primeira
vez no final do século IX, como parte da crise geral na corrente principal do
islamismo xiita causada pela morte do décimo-primeiro imã e pelo
desaparecimento de seu filho recém-nascido (o chamado Mahdi, ou “redentor
, “que ainda desempenha um papel fundamental na mitologia xiíta do fim dos
tempos). Os Alawis originalmente se chamavam Nusayris, e se estabeleceram na
serra de mesmo nome, que forma a espinha dorsal do noroeste da Síria.
Como muitos xiítas, os Alawis (como vieram a ser
chamados pelos franceses no início do século 20) destacam o papel do Imam Ali,
primo do profeta Maomé e seu genro. Mas eles tomaram a veneração de Ali para um
novo nível. O influente teólogo fundamentalista Ibn Taymiyyah (1263-1328), que
morreu em Damasco, descreveu os Alawis como inimigos do Islã que abraçaram
“incredulidade pura.” Esta etiqueta persistiria por séculos.
A sorte dos Alawis começou a mudar sob o domínio
otomano, quando eles desceram das montanhas para cultivar as fazendas de
proprietários sunitas ausentes. (“Sempre descer, nunca subir”, foi o
mantra dos Alawis, como relata Ajami). Então, durante o período entre as duas guerras
mundiais, a Grande Síria, sob o domínio da França, foi dividida em unidades políticas, com os
Alawis sendo atribuídos a sua própria zona autônoma, apelidada de Jebel
Ansariyah, com a capital em Latakia.
Os Alawis, com medo de que seriam vítimas dentro de
uma entidade Síria sunita, começaram a agitar para a independência total de um mini-Estado
Alawi. Em uma extraordinária carta datada de 11 de junho de 1936 para o governo
francês, os líderes Alawis descreveram um “espírito de ódio e fanatismo
embutido nos corações dos árabes
muçulmanos [sunitas] que os rodeavam”. Um estado Alawi independente,
pensaram, ajudaria a proteger o seu grupo de “aniquilação”.
E aqui é onde a história se torna surreal (pelo menos
em retrospectiva): ao fazer o seu caso para uma pátria Alawi segura e
independente, os líderes da comunidade Alawi usaram como exemplo … os judeus.
Os Alawis escreveram em sua carta ao governo
francês que os “bons judeus”
na Palestina tinham “contribuído para os árabes com civilização e paz,
espalhando ouro e prosperidade na Palestina, sem prejudicar ninguém, nem tomar
nada pela força”. “No entanto, os muçulmanos declararam guerra santa
contra eles e nunca hesitaram em matar suas mulheres e crianças, apesar da
presença da Inglaterra na Palestina e da França na Síria. Portanto, um destino sombrio
aguardaria os judeus e as outras minorias caso o Mandato fosse abolido, e uma Síria
muçulmana fosse unida a uma Palestina muçulmana.”
É notável que nesta carta, como em outros
documentos, os Alawis referem a si mesmos como separados “dos
muçulmanos”, ou seja, como “minorias” junto com os judeus.
Igualmente notável é quem é o segundo signatário da petição Alawi de 1936:
Sulayman alAssad, pai do ex-ditador sírio Hafez Assad, e avô do incumbente
ditador Bashar Assad.
Eu me pergunto: o que o aparentemente pró-judeu
Alawi pensaria do discurso anti-semita do seu neto dirigido ao Papa João Paulo
II em 2001, no qual o presidente sírio afirmou que os judeus “tentaram
matar os princípios de todas as religiões com a mesma mentalidade com a qual
eles trairam Jesus Cristo e da mesma maneira que eles tentaram trair e matar o
profeta Maomé “?
Em qualquer caso, a petição Alawi falhou: o estado
independente sírio que surgiu em 1946 ira subordinar os Alawis dentro de uma
nação de maioria sunita. Porém, no final, os Alawis encontraram uma maneira de
tomar o controle de seu destino, de qualquer maneira.
Buscando um caminho para sair da pobreza, muitos
Alawis tinham se alistado na Trupe Speciales francesa do Levante, enquanto que
os sunitas desprezaram esse corpo estrangeiro. Duas décadas mais tarde, um
desses empobrecidos alistados Alawi – o comandante da Força Aérea Hafez Assad –
tomou o poder sob abrigo de uma revolução baathista. Desde
então, o país tem sido governado por uma elite Alawi Assadrun, cooperando,
quando necessário, com os aliados úteis dentro da classe comercial sunita.
Enquanto esta dinastia Alawi desmorona – para ser
ser substituída por uma autocracia ou teocracia sunita, ninguém sabe – vale a pena
fazer uma pausa para considerar a sua importância histórica. Para os Alawis, a
Síria sob o comando de Assad, tem sido nada menos do que um Israel particular –
uma terra prometida para um povo solitário e perseguido. Ninguém pode defender o meio bárbaro que Bashar Assad tem usado para
tentar proteger este status quo. Mas você pode entender por que seus compatriotas
Alawis estão tão ansiosos e temerosos ao ver o seu momento na história escorregar
das suas mãos.
É interessante complementar que não são apenas os Alawis que estão na linha-de-tiro da guerra civil síria. Os druzos e os cristãos também estão.
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